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Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Uso do solo urbano, dúvida e contradição

Os artigos 32 a 36 do anteprojeto de lei do uso do solo urbano se referem ao direito de preempção, atribuído ao poder público durante o prazo não superior a dez anos em áreas previamente delimitadas:


O poder público já é, individualmente, o maior proprietário de terras urbanas ociosas no país, principalmente nas cidades de maior porte. Não há, portanto, a necessidade de aquisição de mais glebas. Mesmo se houvesse, e em situações específicas pode realmente haver, o Estado pode se apossar de qualquer área mediante a desapropriação. Fica claro, portanto, que o objetivo implícito do projeto é a desapropriação a custos mais baixos, gravando o valor da gleba para seu proprietário.


Isto é possível pelo arbitramento do preço da desapropriação, quando não será considerada aquela parcela do valor do imóvel atribuída a investimentos públicos na área. Como será possível, contudo, desagregar o valor de um imóvel em termos de seus componentes? Qual o seu valor intrínseco isoladamente dos investimentos públicos e também privados, efetuados na área ou em suas cercanias? Como isolar, por exemplo, os efeitos de investimentos em equipamentos públicos daqueles melhoramentos efetuados pelos próprios proprietários? Poderá alguém sugerir formas de "distinguir entre o valor real dos imóveis e o valor acrescido em virtude de programas de aperfeiçoamento urbano" sem descambar para o simplismo da fórmula "valor de compra corrigido monetariamente?"


Se a intenção do legislador é garantir ao poder público a primeira opção nas transações imobiliárias, que se lhe dê o direito de preferência, porém em condições semelhantes aos outros usos já correntes do direito de preempção, como no caso do inquilino. Por que a odiosa discriminação contra os vendedores de glebas de terras urbanas, arbitrando-lhes o preço de forma a ser sempre inferior ao seu valor de mercado? Já não seria a cobrança da contribuição de melhoria, instituto existente em nosso Código Civil desde 1937, compensação suficiente pelos benefícios advindos da valorização imobiliária, consequência de investimentos públicos?


Concluímos, pelas razões já expostas, que o projeto de lei encaminhado ao Congresso em 3 de maio passado necessita de reformulações profundas. Se aprovado da forma como se encontra, gerará grande desorganização no mercado imobiliário e irá impedir, ao invés de facilitar, o acesso à terra urbana e à moradia por parte da população de baixa renda, onde se concentra 75% do déficit habitacional brasileiro. A atividade de parcelamento do solo em lotes residenciais populares precisa ser incentivada pelo poder público. Ao invés, ela é tolhida e discriminada, impedindo o verdadeiro empresário de atuar e criando enorme "reserva de mercado" para o loteador inescrupuloso e mal-intencionado.


Marcos Cintra Cavalcanti, professor de economia da Fundação Getúlio Vargas e presidente da Associação Profissional das Empresas de Loteamentos do Estado de São Paulo (AELO).


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