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Marcos Cintra

A administração na produção agrícola

O estudo da administração está se tornando uma das áreas de maior desenvolvimento dentro do campo das ciências sociais. Sua aplicabilidade tem sido observada em todas as áreas de atividade, e particularmente nas urbanas. Na agricultura e pecuária, no entanto, ainda não se desenvolveu satisfatoriamente, razão pela qual crescentes esforços estão sendo concentrados em estudos na Administração Rural. De forma um tanto jocosa, poderíamos chamar à atenção para a importância da administração, lembrando o "Princípio de Peter" que diz: "Numa hierarquia, todo funcionário tende a evoluir até chegar a seu nível de incompetência". O que o princípio enfatiza é que as atividades do ser humano se desenvolvem e se diversificam até surgir a barreira da incompetência e da falta de capacidade técnica e/ou administrativa, quando então um impasse se consubstancia: as atividades propostas estariam sendo desempenhadas por alguém incapacitado para atingir os objetivos desejados. E somente nesse estágio que o nível e escopo das atividades se estabilizam, e não mais se desenvolvem e se diversificam.


INCAPACIDADE ADMINISTRATIVA


Claramente, o "Princípio de Peter" tem um corolário muito preocupante, ou seja: todo cargo (ou atividade) tende a ser ocupada (ou dirigida) por alguém que é incompetente para cumprir seus deveres (ou dirigir as metas propostas). Seria uma simplificação grosseira a afirmação de que, na agropecuária, o "nível de incompetência" se situa unicamente na área administrativa, embora possamos afirmar categoricamente que a falta de capacidade administrativa do agricultor médio brasileiro é, sem dúvida, uma de suas mais visíveis características.


As atividades agropecuárias têm estruturas organizacionais bastante complexas. Em geral, são organizações onde as atividades são desempenhadas por grupos de indivíduos, necessitando assim de direcionamento e coordenação com o intuito de somar esforços visando a obtenção de um dado objetivo. Isto se contrapõe às atividades que podem ser desenvolvidas individualmente, tais como o artesanato. Certos segmentos de nossa agropecuária, notadamente a agricultura de subsistência, ainda se caracterizam pela ação eminentemente individual do agricultor; no entanto, este segmento vem perdendo importância em nosso país.


MÉTODOS DEVEM SER APERFEIÇOADOS


Mesmo nas propriedades agropecuárias de menor porte, que contam com a força de trabalho exclusivamente familiar, questões inerentes a formas de trabalho "coletivo" tendem a surgir, exigindo, consequentemente, um posicionamento "administrativo" do responsável pela unidade de produção. Quando não internamente, o problema administrativo surge no relacionamento da propriedade com o mercado. A propriedade agrícola se encadeia com um grande número de organizações que exigem do agricultor uma postura administrativa definida, sendo obrigado a tomar decisões de compra e venda, de escolha de técnicas, de seleção de canais de comercialização, e muitas outras. Em geral, a atividade produtiva se torna bastante complexa, pois, entre outras razões, poderíamos citar: a existência de objetivos múltiplos e, às vezes, conflitantes entre si; a necessidade de compatibilizar grupos heterogêneos de pessoas, o que exige o estabelecimento de normas e de procedimentos aceitos por todos; a crescente interdependência entre indivíduos e organizações, tornando todos mais vulneráveis a ações desenvolvidas pelas demais; e, a multiplicidade de centros de autoridade e de controle.


Faz-se necessário que a agricultura brasileira atinja níveis mais elevados de produção e de produtividade. O mercado interno, cada vez menos suprido de produtos básicos de alimentação, exige que a agricultura brasileira volte a crescer aos altos níveis observados durante as décadas de 60 e 70. Por outro lado, as portas dos mercados externos não se abrirão aos produtos agrícolas não-tradicionais sem a obtenção de substanciais acréscimos nos índices de produtividade, essenciais para torná-los competitivos face aos dos demais países exportadores. Para tanto, além de medidas de política governamental estimulante tais como recursos financeiros abundantes e de baixo custo, preços mínimos remunerados, eficientes serviços de pesquisa e extensão rural e ampla rede de infraestrutura de transporte, comunicações e armazenagem, é preciso também que o produtor rural aperfeiçoe seus métodos internos de trabalho, dentro de sua propriedade, melhorando suas práticas administrativas.


FALTA TREINAMENTO ADEQUADO


Com raras exceções, os esforços no sentido de treinamento na área de Administração Rural no Brasil têm se concentrado em cursos rápidos, variando entre 5 a 30 dias de duração. A existência de cursos intensivos sem que existam programas de treinamento mais abrangentes e integrados parece-nos uma peculiaridade indesejável nas tentativas de seu ensino entre nós. Em realidade, na maior parte das vezes tais tentativas são desprovidas de um embasamento teórico mais sólido que somente a existência de um programa abrangente e completo poderia fornecer.


Tal constatação adquire grande realce quando comparamos os tópicos cobertos em programas e disciplinas de Administração Rural com os tópicos tratados em programas de Administração de Empresas, os quais em sua esmagadora maioria concentram-se na problemática das empresas de cunho urbano. Os problemas administrativos encontrados na agropecuária são fundamentalmente os mesmos que os encontrados nas empresas dedicadas a outros tipos de atividades; no entanto, existem especificidades que exigem um trabalho detalhado de adaptação do corpo fundamental de estudos das Ciências Administrativas, bem como algum esforço de geração de tecnologia administrativa própria para o setor agropecuário.


Se do lado das preocupações conceituais básicas em Administração não julgamos sólida a diferenciação entre Administração de Empresas Agropecuárias e Administração de Empresas não Agropecuárias, além de um trabalho de adaptação a condições específicas, do lado da Administração aplicada, acreditamos que muito deva ser feito em termos de pesquisa e geração de tecnologia própria para a agropecuária. Sem dúvida, a falta de maior ênfase nas questões relacionadas às atividades agropecuárias é a maior lacuna hoje existente no ensino de administração de empresa no Brasil, falha que, para ser sanada, exige a imediata criação de institutos de pesquisa e ensino orientados para a gestão da produção agrícola.


Marcos C. Cavalcanti de Albuquerque é professor do departamento de Economia da Fundação Getulio Vargas (SP) e secretário executivo do Conselho Superior de Política Agrícola da FAESP.




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