Em artigo publicado ontem pela Folha tratou-se da necessidade de uma abordagem gerencial na produção agropecuária e das dificuldades encontradas na identificação de objetivos do administrador rural. Seria importante ressaltar, aqui, que a administração da produção agropecuária surge a partir de duas grandes vertentes: como um processo de racionalização na tomada de decisões referentes à alocação de recursos e, alternativamente, na tomada de decisões referentes à gestão de recursos já alocados. A primeira tem como preocupação básica a seleção de projetos de investimento bem como a definição de critérios que orientarão a tomada de decisão quanto ao que produzir, quanto produzir e como produzir.
A segunda tem como objetivo garantir a compatibilização entre o planejado e o realizado. A vertente alocativa, geralmente associada a técnicas de planejamento da propriedade agrícola, é de grande importância no processo decisório quando todos os recursos produtivos são variáveis.
Em outras palavras, pressupõe um horizonte temporal de longo prazo, de forma que os fatores de produção e insumos possam ser remanejados com o intuito de alcançar-se um determinado objetivo.
A outra ver- tente da administração, ou seja, a gestão de recursos produtivos alocados, tem sido bastante negligenciada em termos de administração rural. Nota-se que as "funções" administrativas, embora universais no sentido de que se aplicam em qualquer atividade, ainda são relativamente desconhecidas quando aplicadas ao setor agrícola.
Os princípios de planejamento, organização, direção e controle são essencialmente os mesmos, seja na indústria, no comércio ou na produção agropecuária. No entanto, os instrumentos e as técnicas utilizados no desenrolar desses processos exigem adaptações, quando utilizadas em setores com características diferenciadas.
No caso da agricultura torna-se necessário o desenvolvimento de instrumental administrativo específico que leve em conta suas peculiaridades próprias. A produção agropecuária tem como ponto central a fazenda. Seu relacionamento com outros setores da economia ocorre através de compra de insumos e de venda de produtos. Em termos de administração, quanto mais afastada da fazenda esteja uma dada atividade econômica, mais ela é conhecida e estudada para fins de desenvolvimento de instrumental administrativo.
Quanto mais próximo da unidade de produção agropecuária, menos se tem estudado e pesquisado. A transferência de técnicas de administração de atividades localizadas em zonas urbanas para a empresa agropecuária, embora possa oferecer possibilidades promissoras, exigiria importantes alterações.
As diferenças entre essas atividades são inúmeras, reclamando um esforço de adaptação bastante profundo. Podem-se citar algumas diferenças básicas entre atividades urbanas e rurais.
A atividade urbana é interna e contínua, ao passo que a atividade agropecuária é geralmente desenvolvida ao ar livre e cíclica. Estas diferenças, embora possam parecer irrelevantes, têm importantes implicações em termos de controle e risco de produção.
Também a sociedade urbana tem-se caracterizado por um nível técnico e educacional mais elevado do que nas zonas rurais, advindo daí importantes implicações em termos de comunicação e de adoção de novos processos tecnológicos. Ademais as atividades urbanas são, em geral, desenvolvidas por setores mais fortemente oligopolizados do que a produção agropecuária.
Esta, em geral, produz competitiva- mente e se confronta com estruturas já oligopolizadas, tanto na compra de insumos, como na venda de produtos.
Tais diferenças na estrutura de mercado, influem fortemente nos aspectos de planejamento de uma empresa e em suas possibilidades de previsão e de controle de mercados.
Finalmente, constata-se que a atividade urbana é espacialmente concentrada, surgindo daí importantes economias externas.
A atividade rural, sendo difusa, não pode contar na mesma intensidade, com externalidades tais como o associativismo e a disponibilidade de infraestrutura governamental, de fundamental significação para qualquer atividade produtiva. Nota-se, portanto, que a administração rural, embora uma extensão da administração de empresas, é uma área de estudo que certamente exigirá grande soma de esforços em estudos e pesquisas para realizar a imensa tarefa de tornar a agricultura brasileira melhor administrada e mais produtiva.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 40, é professor do Departamento de Planejamento e Análise Econômica da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (SP).