Nada como um bom “pacto social” para resolver situações de conflito. O problema é saber se esse acordo é possível.
Os economistas utilizam frequentemente – apesar da oposição de muitos, às vezes plenamente justificada – , o que se convencionou a chamar de “análise marginalista”. Descarregando-se deste conceito seu peso ideológico, ele implica reconhecer que fatos ocorridos no passado não são passiveis de alterações no curto prazo. Assim, o que interessa é avaliar como medidas adicionais (tomadas na margem) poderão afetar o conjunto da situação, ou seja, como novas decisões afetarão o futuro, sabendo-se que ele será resultante dos atos praticados no passado e das ações marginais tomadas no presente.
Uma aplicação pratica deste conceito, tradicionalmente ensinada em livres textos de microeconomia, refere-se ao comportamento do empresário. Se ele objetiva maximizar o lucro, os erros ou acertos acumulados no passado não importam mais, pois são irremovíveis. Os atos já realizados resultam numa situação – pode ser de lucro ou de prejuízo – que não pode ser alterada de imediato. Assim, a questão pertinente é saber se as ações que efetivamente são passiveis de serem tomadas hoje vão, na margem, piorar ou melhorar a rentabilidade da empresa. Não importa se no curto prazo deve-se ampliar ou reduzir a capacidade de produção – esta decisão só terá efeito no longo prazo. O que interessa saber é se se deve, ou não, ampliar o uso do equipamento já instalado. Esta é uma decisão feita na margem, que não altera a estrutura do problema – e que depende da comparação entre custos e receitas marginais, não totais.
A compreensão do significado da análise marginal é importante na definição de política econômica conjuntural – o mesmo já não se pode dizer quando a questão se refere ao planejamento econômico de longo prazo, de características claramente estruturais mais profundas possam ser implementadas.
O pacto deve ser visto como um problema conjuntural. Deve ser analisado como uma providencia de curto prazo capaz de criar condições para que alterações estruturais mais profundas possam ser implementadas.
Os Cruzados 1 e 2 já foram e nada poderá fazê-los não terem sido. Seus efeitos já são reais. O que está em questão, agora, é como alterar os eventos na margem para melhorar uma situação, ou então evitar que ela piore.
Com esta perspectiva em mente, qualquer analista facilmente se apercebe que a economia brasileira ameaça deteriorar-se rapidamente. Tentativas de reconstruir uma situação mais favorável ao crescimento sem inflação, necessariamente, envolverá medidas estruturais cujo impacto não será imediato. Ao mesmo tempo nota-se que os fatos se precipitam, e que rapidamente as autoridades poderão perder controle dos rumos da economia.
Nesse sentido, o mais prudente seria que o pacto não fosse visto como tentativas de alterações estruturais, mas simplesmente como um esforço para congelar uma situação; para evitar que piore. Não deve ser, no momento, ocasião para melhorar, nem piorar, posições relativas na distribuição de renda nacional – mas sim para mantê-las como se acham, até que providencias de características estruturais mais abrangentes possam ser implementadas.
Quanto maior a demora, pior para todos. Só como exemplo basta lembrar que com inflação em 20%, um corte de rendas reais em 8,33% é suficiente para reduzi-la pela metade; se, no entanto ela chegar a 400% - e isto poderá ocorrer logo – será preciso um arrocho de 40%. Estas são as opções.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), chefe do departamento de Economia da FGV/SP, e consultor econômico desta Folha.