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  • Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Recessão com inflação?

Estará o Brasil caminhando para um processo de aceleração inflacionária com recessão? Em outras palavras, a política econômica do ministro Bresser Pereira irá produzir uma queda nos níveis de produção concomitantemente com taxas de inflação mais elevadas?


Muitos temem que sim. Mas partem de um raciocínio linear: o de que a inflação será crescente, após a flexibilização dos preços, e que o nível de atividade prosseguirá na tendência de queda observada a partir do último trimestre do ano passado. Sem dúvida, a inflação tenderá a buscar um patamar mais alto, mas poderá se estabilizar se a demanda agregada for mantida sob estrito controle, como ocorre no momento; ao mesmo tempo, não há porque esperar maiores quedas de produção se a inflação se "inercializar", e se os salários reais não forem comprimidos ainda mais.


Nota-se, portanto, que existe coerência na atual política do governo. O fato de o desaquecimento e a inflação terem caminhado juntos durante a fase de flexibilização de preços não significa, em absoluto, que esta tendência persistirá. Isto ocorreu apenas porque houve um congelamento e a sua suspensão motiva ajustes de preços relativos em patamares de inflação mais elevados. Superada esta transição, inflação crescente e desaquecimento não deverão mais caminhar juntos.


E quanto aos custos? O que mais se ouve ultimamente é que a inflação é de custos e não de demanda. Com este raciocínio, pretende-se provar que, mesmo com a economia desaquecida, os preços continuarão subindo para recompor as margens de lucro das empresas. É verdade que a política cambial realista, os juros altos, o aumento dos custos fixos e a forte remarcação dos preços públicos pressionam o lucro das empresas. Mas por outro lado, os setores exportadores se beneficiam do câmbio caro, e os salários reais caíram cerca de 35% a partir da explosão inflacionária ocorrida até junho passado.


Grosso modo, portanto, não há porque imaginar que os lucros estejam pressionados mais do que os salários; problemas são apenas localizados. Sem dúvida, as pressões de custo existem. Mas poderão não ser tão fortes ou ameaçadoras, como parecem. Nos setores mais competitivos (como por exemplo varejo, produtos agrícolas, confecções), a retração da demanda impedirá que a tentativa de aumentar as margens de lucro se realize por meio de preços mais altos. Quanto aos setores oligopolizados e cujas funções de demanda mostrem inelasticidade em relação aos preços, cabe ao CIP impedir que os reajustes praticados sejam abusivos.


Mas os salários também ameaçam a estabilização inflacionária. A inflação do primeiro semestre do ano foi devastadora, tanto nos salários quanto nos lucros não-financeiros, como os balanços das empresas mostram com clareza. O grande mérito do Plano Bresser foi sustar esta queda generalizada de renda. É preciso agora impedir que tanto empresários como trabalhadores iniciem uma nova corrida salários-lucros. Controles efetivos de preços são essenciais —mas não há como prescindir, também, de uma política salarial responsável. Somente assim a inflação será estabilizada, tornando possível a gradual recomposição de salários e lucros. Isto, no entanto, apenas será possível pela via dos investimentos e do aumento da produtividade. Mas esta é outra questão, que foge do tom conjuntural deste artigo.


 

MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41, Doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.


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