MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE
Consultor de Economia da Folha
A última revisão do Plano de Controle Macroeconômico, que deverá ser feita a cada trimestre, não revelou alterações nas metas referentes ao déficit público. Sabe-se, contudo, que para o ano de 1987, o déficit operacional (que exclui os efeitos das correções monetárias e cambiais) ultrapassará as metas estabelecidas pelo governo, como declarou o ministro da Fazenda, Bresser Pereira.
No primeiro semestre, previa-se que o desequilíbrio financeiro do setor público atingiria 7% do PIB; a equipe da Fazenda refez esta projeção, planejando cortes de gastos de modo que o déficit não ultrapassasse 3,5%.
Tudo caminhou razoavelmente bem nesta questão até que a inflação de outubro (calculada com base em preços coletados entre 15 de setembro e 15 de outubro) deu um salto para mais de 9%, e há quem acredite que até o fim do ano chegue a 15% mensais. Ao mesmo tempo, explodiu uma onda de insatisfação salarial, impotência frente às reivindicações dos funcionários públicos e de outras estatais - evidentemente com forte repercussão no restante do mercado de trabalho. O impacto desses dois fatos no déficit público, além de outros de menor importância, foi devastador, inviabilizando por completo a obtenção da meta de 3,5% em 1987.
Mas qual a causa da enorme preocupação com o déficit público no Brasil? Afinal, déficits de igual ou maior magnitude relativa podem ser notados em outros países sem que isso implique insuportáveis pressões inflacionárias. Muitos acham que o déficit público não é nocivo nas atuais circunstâncias e outros chegam mesmo a preconizar sua manutenção como instrumento anticíclico.
De fato, o déficit público tem duas dimensões importantes. A primeira é o impacto na demanda agregada. Quando o setor público gera déficits, está aumentando a demanda por bens e serviços na economia. Mesmo que o déficit seja estritamente "financeiro", ou seja, que o componente de juros seja preponderante, a diferença nas propensões a consumir entre o financiador do déficit e o credor dos juros pagos pelo governo poderá elevar a demanda na economia.
Contudo, sob o aspecto da demanda por bens e serviços, o atual déficit público não pode ser considerado inflacionário, pois a economia brasileira se encontra desaquecida e com crescente margem de capacidade ociosa; estaria até servindo para superar a presente tendência recessiva.
O segundo aspecto do déficit público, e de seu impacto inflacionário, está na forma de financiá-lo. E aqui, podem surgir pressões altistas nos preços pelo lado dos juros.
Os países que têm déficits elevados, mas inflação baixa, como os Estados Unidos atualmente, não estão sujeitos aos mesmos mecanismos de realimentação que existem no Brasil.
Aqui, a dívida pública - gerada pelos déficits acumulados - é financiada nos mercados de curto prazo, praticamente no mercado de dinheiro, no "overnight". Isso tem um impacto na taxa de juro muito mais forte do que em outros países, onde os papéis do governo são vendidos com prazos longos, às vezes de mais de trinta anos. A rolagem do déficit governamental pressiona a taxa do "overnight", que por sua vez é o referencial de toda a estrutura de juros, e o impacto inflacionário surge pelo lado dos custos. Cabe lembrar que o grau de endividamento é alto no país, o que magnifica este efeito. Nota-se, portanto, - mesmo sem falar na repercussão do déficit nas expectativas - que os desequilíbrios orçamentários do setor público são causas importantes da inflação.