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Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

À procura de um novo modelo

Por enquanto, a inflação ainda parece estar sob relativo controle. Não se espera que o índice de fevereiro seja significativamente diferente do de janeiro. Mas, claramente, para evitar o surgimento da hiperinflação, houve um custo: o desaquecimento da economia. A demanda por alimentos caiu em janeiro, em relação ao mesmo período do ano passado; a taxa de emprego em 1987 ficou praticamente constante, o que significa uma elevação, embora não dramática, no número de desempregados; a produção industrial diminuiu cerca de 1% ao longo do ano, os salários reais sofreram forte queda, apesar de uma tímida reação no final do segundo semestre, e as vendas no comércio varejista foram cerca de 25% inferiores aos níveis atingidos ao longo de 1986. Vive-se hoje uma conjuntura econômica claramente estagflacionista.


É difícil imaginar que um país como o Brasil possa suportar esta situação por muito mais tempo. Vale lembrar que a primeira metade da década também foi marcada por crises econômicas, que resultaram no empobrecimento crescente da população brasileira e no agravamento das tensões sociais.


Alguns caminhos para a superação destes impasses foram tentados. Vão desde a adoção do receituário convencional, preconizado pelo Fundo Monetário Internacional e aplicado na primeira metade da década, até duas tentativas por vias menos ortodoxas. Mas nenhuma das experiências de estabilização alterou de fato a estrutura do modelo econômico vigente no Brasil. Os problemas básicos persistiram, chegando mesmo a se agravar. Teme-se, agora, que se tornem crônicos, a ponto de comprometer o potencial de crescimento a longo prazo da economia brasileira.


A saída do atual impasse vai exigir uma profunda reflexão acerca dos fundamentos sobre os quais se assenta o sistema econômico brasileiro. É certo que várias decisões conjunturais terão de ser tomadas. Entre elas, a acomodação com a comunidade financeira internacional, o disciplinamento da execução orçamentária do governo, o aperfeiçoamento das instituições econômicas e muitas outras. Contudo, isto não bastará para recolocar o país numa trajetória de crescimento acelerado, como a que ocorreu na década de 70. Para tanto, será necessário que se formule uma nova estratégia, que se inaugure um novo padrão de comportamento econômico.


Fica cada vez mais claro que a estabilização da economia não será conseguida sem um amplo entendimento social. A alternativa será a continuidade da recessão, única forma de evitar que os conflitos inerentes ao atual modelo econômico descambem na hiperinflação. Mas, por outro lado, a consecução de um pacto social é impossível dentro do atual quadro institucional brasileiro. O desequilíbrio de forças é excessivamente forte e o governo não tem condições mínimas de mediar qualquer entendimento.


O governo Sarney acha-se inviabilizado. Apenas uma outra administração poderá ter condições de instaurar maior racionalidade na economia brasileira, abrindo caminho para uma nova fase de crescimento. Esta solução, no entanto, deve incluir providências como desregulamentação, privatização, maior concorrência, abertura da economia e outras.


Não são temas novos, mas são princípios que não foram efetivamente postos em prática no Brasil. Trata-se, sobretudo, de emancipar os agentes econômicos, abrindo caminho para um verdadeiro liberalismo econômico, sob a vigilância, mas jamais sob a tutela, do Estado. O fulcro da atual problemática - o esgotamento de um modelo onde o intervencionismo estatal desempenhou, e com relativo sucesso, o papel de mola propulsora do desenvolvimento - exige uma postura reformista capaz de redefinir em profundidade a relação do governo com o restante do sistema econômico.


 

MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41 anos, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.

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