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Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

A conversão da dívida

Finalmente, depois de longas discussões, o governo decidiu dar início à conversão de dívida em capital de risco. Há alguns meses, foi apresentada uma regulamentação que, por ser excessivamente restritiva, acabava por desinteressar o credor na conversão de seus créditos em investimentos. O atual ministro da Fazenda efetuou algumas importantes simplificações naquela proposta para viabilizar a operação.


Não deve haver ilusão quanto aos efeitos da conversão de dívida em investimento na economia brasileira. Não será uma medida de grande impacto na balança de pagamentos. Certamente trará algum alívio, pois existirão limitações para a remessa ao exterior de lucros provenientes dessas operações. Porém, tanto o grau de interesse das empresas estrangeiras em investir no Brasil quanto a capacidade de absorção do mercado interno dos cruzados provenientes da conversão são fatores limitantes que deverão fazer com que o montante total de conversão não ultrapasse o patamar de US$ 1,5 a US$ 2 bilhões anuais. Diante do montante da dívida externa brasileira, fica claro que esta medida não será, com certeza, a solução para a crise do endividamento.


Por outro lado, a autorização para que credores convertam seus créditos em investimentos, até mesmo no âmbito de empresas estatais, pode ser vista como uma medida cujos efeitos indiretos poderão ser bastante benéficos ao país. Em primeiro lugar, pode significar o início de um novo processo de abertura da economia brasileira às empresas multinacionais. Implica também o fortalecimento de fundos estrangeiros nos mercados de capitais e nas bolsas, ampliando assim o potencial de geração de fontes de financiamento para investimentos domésticos. Na esteira da conversão, poderá ainda ser dado o início para um programa de privatização de segmentos produtivos, hoje nas mãos do poder público.


Persistem ainda alguns entraves. A exigência de canalizar parte do capital convertido para investimentos no norte e nordeste confunde a política econômica externa com objetivos redistributivos internos. A exigência certamente implicará na redução do número de interessados na conversão e, consequentemente, deverá reduzir a parcela do deságio que poderia ser absorvida pelo país. Também as restrições para remessa de lucros terão efeito semelhante. Seria mais razoável fazer valer a atual lei de remessa de lucros, sem outras restrições, exigindo das empresas apenas um balanço positivo em divisas.


De qualquer forma, muito mais do que uma solução para o problema do endividamento externo ou, ainda, para a crônica carência de investimentos que vem caracterizando a economia nos últimos dez anos, a conversão da dívida poderá significar o embrião e uma amostra de uma nova postura do país em relação ao capital internacional e, subsidiariamente, em relação à participação do Estado na economia. Neste sentido, o leilão a ser realizado no próximo dia 29 deve ser acompanhado com grande atenção.


 


MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41 anos, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.

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