A livre negociação encontra oposição entre os beneficiados da atual política salarial - o grande capital e o comércio - e, paradoxalmente, também entre os mais prejudicados - os assalariados. O grande capital, normalmente concentrado em atividades oligopolizadas, prefere a manutenção da atual sistemática da URP por duas razões fundamentais.
Em primeiro lugar, evita o desgaste das negociações salariais livres. Esta prática, se adotada, passaria a exigir tanto dos empregadores quanto dos empregados maior transparência em suas posições de negociação. Certamente as margens de lucro e de rentabilidade das empresas passariam a ser minuciosamente analisadas pelos interessados.
Além deste "inconveniente" processo de negociação, a indexação dos salários pela URP fornece às empresas uma excelente cobertura para aumentarem seus preços. Os aumentos de salários são gerais, justificando, por sua compulsoriedade, uma concomitante, porém sempre mais alta, elevação de preços. No final, as correções transformam-se num engodo para a população assalariada, pois apenas seus salários nominais são aumentados.
O comércio, por outro lado, não é fortemente afetado pela atual política salarial, pois a sistemática de remuneração de grande parte de seus trabalhadores se baseia numa parcela fixa, sobre a qual se aplica a URP e mais um comissionamento, que depende do volume de vendas. Neste caso, o impacto da indexação salarial compulsória sobre seus custos é grandemente amortecido.
Por parte dos assalariados, a oposição à livre negociação se baseia no argumento da grande disparidade no poder de negociação das diferentes categorias profissionais. Segundo este raciocínio, os trabalhadores menos organizados correriam o risco de serem prejudicados.
Os fatos não mostram que o movimento sindical brasileiro tenha grandes bolsões de inoperância. Existe hoje ampla liberdade para uma atuação eficaz dos trabalhadores. Como bem mostrou o professor Paul Singer em recente artigo nesta Folha, a URP vem sendo um piso frequentemente superado pelas correções de salários. Neste sentido, nada há a temer, pois as negociações poderão até mesmo estabelecer formas de reajustes que sejam até mais vantajosas, para certos setores, do que a atual política. Além disso, que as centrais sindicais se tornem mais atuantes no sentido de apoiar os sindicatos considerados mais fracos.
Por outro lado, há que notar o reverso da medalha. Também entre as empresas existem setores competitivos, onde os reajustes obrigatórios pela URP não podem ser repassados aos preços. Nestes casos, a atual política salarial levará inexoravelmente a uma de suas saídas: o desemprego ou a marginalidade nas relações trabalhistas.
A livre negociação salarial é uma meta a ser atingida como meio para preservar empregos, promover a concorrência entre as empresas, e também como um importante coadjuvante no combate à inercialidade inflacionária. É certo que isoladamente a eliminação da URP não terá impactos significativos no combate à inflação. Precisa ocorrer dentro de um conjunto de medidas que ataquem suas causas estruturais, dentre as quais se destaca a contenção do déficit público, como o governo vem tentando.
Infelizmente, contudo, a sociedade acostumou-se à presença do Estado na economia e deseja ser por ele tutelada. O recuo na questão das taxas escolares demonstra isto com clareza. É certo que a liberação das mensalidades ocorreu de forma atabalhoada, sem as precauções necessárias para impedir que a transição para uma maior liberdade ocorresse de forma menos tumultuada. Neste sentido, ao invés de um retorno aos rígidos controles praticados anteriormente, caberia ao governo insistir em seu primeiro intento e estabelecer um mecanismo de gradual relaxamento dos controles, como de resto se torna necessário nos mercados de aluguéis residenciais e de mão-de-obra.
De certa forma, o nível de salários reais não é formado pela política salarial, mas sim pelas forças de mercado. Viu-se que no Cruzado os salários reais aumentaram, e no ano passado caíram, à revelia das fórmulas de reajustes decretadas pelo governo. A inflação e o desemprego são os meios de contornar os rigores da legislação no caso de mercados desaquecidos, da mesma forma que a expansão econômica gera a valorização relativa do trabalho.
A proposta recentemente apresentada pelos professores José Pastore e Hélio Zylberstajn nesta Folha, de reduzir gradualmente a reposição salarial mediante um redutor crescente ao longo de um determinado número de períodos, parece ser o caminho correto para aplacar a ansiedade daqueles que temem a livre negociação. Mecanismos semelhantes poderiam ser idealizados para outros mercados regulados pelo governo.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41 anos, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.