A atual situação econômica brasileira revela contrastes e contradições. A inflação está claramente aumentando para um novo patamar. Sai do nível de cerca de 18% dos últimos meses para uma provável faixa de cerca de 22%. Ao mesmo tempo, a produção está praticamente estagnada, retornando a um crescimento zero após vários meses de declínio acentuado. As taxas de emprego da mão-de-obra não acompanham, na mesma medida, o arrefecimento do nível de atividade econômica, mostrando-se mais estáveis do que seria esperado. Além disso, as empresas, nos setores produtivo e financeiro, estão demonstrando recuperação em suas taxas de rentabilidade durante o primeiro semestre de 1988. Estamos vivendo uma situação de quase pleno emprego com baixo crescimento e fortes pressões inflacionárias.
Enquanto as exportações estão crescendo vigorosamente, as importações seguem um ritmo lento, resultando em saldos comerciais volumosos que não são revertidos para o financiamento da formação de capital. Simultaneamente, à medida que o poder aquisitivo da população começa a fortalecer a demanda interna - como evidenciado pela evolução dos salários reais e da atividade comercial - o setor produtivo ainda está longe de retomar um movimento de expansão de sua capacidade.
Este quadro mostra uma economia que opera próxima dos limites de seu potencial, mas que ainda não encontra respaldo para aumentar sua taxa de investimento. Em outras palavras, a economia brasileira percebe que sua dinâmica natural de crescimento vem sendo tolhida pela incerteza que sufoca a expansão dos investimentos. O setor privado gera excedentes que são canalizados para o exterior - remessas de lucros e juros - ou então para o financiamento do déficit público. Em ambos os casos, os excedentes são captados pelo governo e acumulados na dívida pública interna.
As duas variáveis-chave da economia brasileira nas quais repercutem os demais fenômenos conjunturais são, portanto, a taxa de investimento e a dívida interna. Uma avaliação de como elas se comportam indicará o aprofundamento ou a superação dos atuais impasses. Da mesma forma, o equacionamento das dificuldades enfrentadas pelo país dependerá do impacto da política econômica nessas duas métricas.
A taxa de investimento caiu gradualmente de 24% do PIB em meados da década passada para cerca de 17% nos últimos anos. Como a expansão da oferta agregada vem sendo tolhida pelos baixos investimentos, o governo será forçado a conter o crescimento da demanda interna, uma vez que não pode permitir que os saldos comerciais sejam reduzidos. Isso resultará em pressões inflacionárias persistentes, agravadas pela forte indexação existente.
A dívida mobiliária interna atingiu 1 Cz$ 10 trilhões em maio, dos quais Cz$ 6 trilhões estão no Banco Central. Cresceu 200% nos seis meses anteriores, em comparação com uma inflação de 155% no mesmo período. Em termos reais, aumentou, portanto, quase 20% em um semestre. Enquanto o setor público continuar sendo um ávido absorvedor de excedentes, a dívida continuará aumentando e os investimentos continuarão escassos.
A economia brasileira precisa passar por algumas mudanças significativas para se livrar deste verdadeiro estrangulamento. A primeira medida deve ser a absorção de novos capitais externos para aliviar as pressões na balança comercial. É crucial atrair, em vez de afastar, investidores estrangeiros e abrir, ao invés de fechar, a economia para o exterior. Uma segunda linha de ação deve caminhar no sentido de reduzir as necessidades de captação de recursos financeiros pelo governo. Isso implica em equacionar o fluxo de caixa da dívida interna e reduzir a presença do Estado como empresário, abrindo caminho para mais investimentos privados. A privatização das empresas públicas, ao permitir a conversão da dívida interna em investimentos, pode atingir esse objetivo.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41, doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.