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Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

As precondições do choque

A aceleração inflacionária ocorrida no Brasil em 1988 teve importantes implicações na própria dinâmica dos aumentos de preços. Como vimos neste mesmo espaço no último domingo, quando a taxa de elevação de preços aumenta continuamente, a indexação deixa de tomar como base a inflação passada ("ex-post") e passa a embutir as expectativas de inflação futura ("ex-ante"). Neste processo, a inércia inflacionária cede lugar a fatores expectacionais e o sistema de preços passa a ser mais instável do que quando estava ancorado na inflação pretérita.


No Brasil, a indexação já começa a sofrer mudanças. Não se trata mais de aumentar preços para repor as perdas sofridas no passado, mas sim de evitar perdas futuras. Logicamente, esta intenção será frustrada pela aceleração da inflação e acarretará pressões altistas ainda mais intensas nos períodos seguintes. O resultado final é a derrubada das últimas barreiras à hiperinflação.


O pacto social introduziu oficialmente este tipo de comportamento nos mecanismos de formação de preços, embora com outros objetivos. Os agentes econômicos passaram a praticar aumentos com base nas projeções da inflação futura. O governo também usou a mesma justificativa para determinar os reajustes salariais, como exemplificado na evolução do salário mínimo de referência de 25%, a meta pactuada para dezembro.


Esta mudança no comportamento dos agentes econômicos ainda não se generalizou totalmente. Quando isto ocorrer, não haverá mais freios à hiperinflação. Cabe perguntar, portanto, o que fazer para impedir o total descontrole inflacionário.


O fundamental é conter a aceleração da inflação. Mas, para conseguir a estabilidade - já que sem fortes perdas de produção - não basta, como antes, usar os instrumentos de política econômica da indexação "ex-ante," uma política de rendas antecedida de uma sólida contenção fiscal e monetária seria capaz de resolver o problema. Agora, cada vez com maior intensidade, será preciso agir a nível das expectativas, uma tarefa na qual os economistas sentem naturais dificuldades. Basta conter o déficit para que as expectativas inflacionárias cedam? Não deveria a inflação ter caído em seu atual ímpeto altista? Como transmitir aos agentes econômicos o fato de que a relação entre déficit público e inflação não é estável?


Quanto mais o governo demorar para aplicar as medidas de contenção, mais questionável será a eficácia de um choque para extirpar a inflação. O fundamental é não permitir que ela se acelere nos próximos meses; que as metas orçamentárias do governo sejam cumpridas em 1988 e sancionadas pelo Congresso, para 1989. Se realizadas com a devida rapidez, ainda haverá espaço para desindexação abrupta no primeiro semestre do próximo ano, e com boas chances de sucesso.


 

MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 41, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.

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