O Plano Verão tem uma característica interessante. As medidas antiinflacionárias de 15 de janeiro são, em seu conjunto, mais consistentes do que as dos pacotes anteriores. Mas, por não terem sido implementadas em toda sua extensão, envolvem hoje riscos consideráveis de desestabilização.
Houve aprendizado por parte da equipe econômica. Teoricamente, o plano contém todos os ingredientes para dar um efetivo combate à inflação. Aplica uma política de rendas, impõe uma rigidez monetária inaudita no Brasil e acena com medidas de austeridade fiscal.
Em geral, não se pode dizer que houve perdas salariais de porte. Apenas se impediu que os salários explodissem como ocorreu no Plano Cruzado; ou que aumentassem, ainda que ligeiramente, como no Plano Bresser. A demanda se encontra sob controle. Não há sinais evidentes de desabastecimento, nem de desequilíbrios nos preços relativos. Por fim, a inflação pós-choque foi baixa em fevereiro, comparativamente às taxas do último trimestre do ano passado. E deverá ser ainda mais baixa em março.
Um estrondoso sucesso? Muitos começam a achar que sim.
Estariam sendo revertidas as expectativas inflacionárias? O governo anuncia estar vencendo mais esta batalha.
Sob a aparência de vitória, a política antiinflacionária do governo deverá encontrar enormes dificuldades nas próximas semanas. O Plano Verão entra em seus momentos mais críticos. As inúmeras tensões acumuladas ao longo da fase inicial do choque precisam ser atenuadas com o intuito de permitir a saída ordenada do congelamento.
A principal dificuldade se encontra na questão de como baixar as taxas de juros para evitar uma absurda expansão do endividamento público. O crescimento da dívida mobiliária federal em cerca de 2% do PIB ao mês não passa despercebido dos agentes econômicos. Isto implica dizer que as expectativas de inflação futura se exarcebam, ao invés de serem neutralizadas pelos sucessos de curto prazo do Plano Verão.
Apenas os juros altos ainda sustentam o plano. Seguram os depositantes das cadernetas de poupança - embora impliquem enormes distorções na estrutura de ativos e passivos dos agentes financeiros -, impedem a antecipação do consumo e desestimulam a formação de estoques especulativos. Seguram o dólar e até atraem recursos de curtíssimo prazo do exterior. Contudo, no momento em que houver qualquer sinal de queda no custo do dinheiro, as tensões acumuladas explodirão. O governo já admite estender por mais um mês as vantagens dos depósitos de poupança. O efeito anzol: entra, mas é difícil sair.
A taxa de câmbio também acumula atrasos históricos. Vai ter de ser reajustada, com fortes impactos inflacionários. Ameaça repetir-se, neste ponto, os erros do passado.
O descongelamento não pode tardar. Ainda não há ágio ou desabastecimento simplesmente porque a demanda está fraca. Mas a demanda está fraca por conta dos juros altos (que não podem durar muito) e pela estagnação do poder aquisitivo dos salários (que os trabalhadores não irão aceitar por mais tempo). A indefinição de uma nova política salarial não terá condições de protelar um inevitável confronto no campo salarial.
As condições atuais apontam para uma saída traumatizante do Plano Verão. Então, provavelmente a economia brasileira poderá estar mais próxima da hiperinflação do que esteve antes do choque. Faltou o elemento fundamental, o ajuste fiscal. Caso ele tivesse sido feito com determinação, o nó górdio teria sido desatado.
Resta ao governo a alternativa de ligar a economia numa corrente contínua de choques e congelamentos, ao menos para chegar em novembro com a transição política completada. Quanto à transição econômica, da estagnação crônica dos últimos oito anos para a retomada do crescimento auto-sustentado, resta apenas a certeza de momentos difíceis à frente.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 43, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e consultor econômico desta Folha.