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Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Cresce risco da hiperinflação

"O perigo procria melhor no excesso de confiança" (Corneille).


As informações conjunturais mais recentes da economia brasileira demonstram que o setor produtivo está funcionando a plena capacidade, que a produção recuperou as perdas dos meses passados e que o nível de emprego dá mostras de clara expansão. Tudo isso forma um quadro que, juntamente com a desaceleração do crescimento inflacionário obtida ao longo dos últimos meses, parece preparar o terreno para perspectivas otimistas.


É certo que os indicadores são favoráveis. Contudo, o que muitos analistas não percebem é o fato de que elevadas taxas de inflação são incompatíveis com a continuidade do crescimento econômico. Pode-se até mesmo afirmar que, ao manter a economia aquecida, como vem ocorrendo no momento, aumentam significativamente os riscos de uma súbita desestabilização do patamar inflacionário.


Os dados de emprego e salário do IBGE mostram que em julho a proporção de desempregados foi de apenas 3,17% em relação à população economicamente ativa. Trata-se de uma das mais baixas taxas de desemprego observadas em toda a década. Também foi divulgado que no mês de julho o rendimento médio real dos ocupados aumentou cerca de 4% em relação ao mesmo mês do ano passado. A economia informal, representada pelos empregados sem carteira assinada, teve ganhos de 20% reais, e aqueles que se autoempregam obtiveram ganhos de 34%.


Os números da indústria automobilística em agosto também registram aumentos significativos de produção. O número de veículos produzidos cresceu quase 15% em relação a julho. Mais importante ainda é a constatação de que o incremento da produção ocorreu basicamente para atender à demanda interna, pois as exportações mostraram quedas no mês passado. Mas não se limita aí as "boas notícias". A arrecadação tributária aumenta em termos reais, caem os números de insolvências e aumentam as vendas do comércio.


Tudo parece indicar uma economia saudável. Mas o que muitos parecem esquecer é que há anos ocorre uma notória queda nos investimentos produtivos. Os mais otimistas parecem querer comprovar uma tese incomprovável - a de que é possível crescer sem aumentar a capacidade instalada e a de que, desde que a economia esteja totalmente indexada, a inflação não atrapalha.


Esquecem-se de que os mercados especulativos acham-se deprimidos apenas porque houve uma brutal elevação nas taxas de juros reais pagas pelo governo aos que carregam seus papéis - uma situação insustentável por muito mais tempo. Esquecem-se de que os deságios concedidos nos leilões de títulos públicos estão sendo aumentados. Esquecem-se de que as compras de veículos podem estar refletindo operações de hedge contra uma esperada elevação nos patamares inflacionários. Esquecem-se de que os preços dos imóveis, menos sensíveis às oscilações dos mercados financeiros e das taxas de juros, estão em acelerada elevação. Esquecem-se de que a fase cíclica do mercado, com a aproximação das vendas de fim de ano, poderá precipitar novas pressões inflacionárias, desta vez pelo lado da demanda. Finalmente, esquecem-se de que a atual política salarial permite a rápida recuperação dos rendimentos reais - o que já vem acontecendo - e que deverá contribuir para exacerbar as pressões de compra na economia, já ameaçada de desabastecimento.


Se somarmos a todas essas pressões a necessária recuperação das tarifas públicas, ainda enormemente defasadas, bem como a elevação dos impostos que se pretende implementar para cobrir o buraco orçamentário do governo, não é difícil concluir pela gravidade da ameaça inflacionária.


A situação de hoje se assemelha muito mais a uma nova explosão inflacionária, seguida de novas crises recessivas, do que a uma estabilização com crescimento econômico.


 

MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 43, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas e consultor econômico da Folha.

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