O cerne de uma eficaz política de estabilização no Brasil está no ajuste fiscal. O governo precisa encontrar condições para equilibrar seu orçamento e convencer a sociedade de que não precisará mais buscar financiamento no mercado para suas despesas. Quando isso for conseguido, todas as demais medidas amplamente discutidas serão apenas complementares, coadjuvantes.
O fundamental é elaborar estratégias consistentes para alcançar essa meta. Feito isso, teremos encontrado o ingrediente essencial para a aplicação de uma política de estabilização consistente, e as expectativas inflacionárias serão revertidas.
Quando os agentes econômicos forem convencidos de que os gastos públicos não serão mais financiados de maneira inflacionária e isso não for apenas mais um blefe, será possível usar adequadamente a política monetária, renegociar a dívida externa de forma facilitada e administrar tranquilamente a dívida interna. Vale ressaltar que a dívida externa não é um problema tão grande quanto parece, e a dívida interna não é tão alarmante como tem sido afirmado repetidamente.
Se o governo alcançar o equilíbrio orçamentário, poderá induzir o mercado a aceitar juros próximos de zero, o que seria um "overkilling" considerando que os encargos financeiros da dívida interna representam hoje cerca de 25% dos gastos do Tesouro.
Uma vez alcançado o equilíbrio orçamentário ou até mesmo um superávit, todas as outras medidas de estabilização seriam complementares, facilitando e atenuando o impacto da transição para uma economia estável. Congelamentos, reforma monetária, medidas de proteção aos mais pobres, independência do Banco Central, ajustes cambiais, pactos sociais para definir divisão de perdas, entre outras, seriam todas providências técnicas de encaminhamento relativamente simples.
O verdadeiro desafio de toda política de estabilização reside no equilíbrio orçamentário, onde questões sensíveis como privatizações, redução do funcionalismo, eliminação de subsídios e incentivos, aumento de impostos, cortes nos gastos de investimento e a questão da dívida interna devem ser discutidas. Nesse cenário, estarão em jogo os interesses de importantes segmentos da economia.
A contenção dos encargos financeiros do Tesouro é fundamental, e isso pode ser obtido pela renegociação da dívida interna, embora isso implique algum grau de "calote". Outra alternativa seria fazer cortes em outros itens de despesa primeiro e, em seguida, zerar os juros. Ambas as alternativas têm suas implicações, e a escolha entre elas afetará o curto prazo de maneiras diferentes.
Em resumo, o problema da inflação no Brasil está no desajuste fiscal, ao contrário de outras economias onde as pressões inflacionárias podem ser originadas de outras causas. Portanto, é crucial concentrar esforços na resolução desse problema central, que é o combate ao déficit público, enquanto as demais medidas são secundárias e devem ser vistas como complementares.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 43 anos, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP) e consultor econômico da Folha.