Vimos na semana passada que o congelamento de preços e salários não é uma medida adequada para a estabilização da economia brasileira. Embora a justificativa teórica para sua utilização seja a de que aquela medida evitaria os custos sociais da política ortodoxa de combate à inflação -recessão e desemprego-, mostramos que existem riscos que poderão exigir que o governo deliberadamente desaqueça a economia para defender o congelamento. O paradoxo é evidente. O congelamento, decretado para evitar a recessão, passa a exigí-la, como condição de sobrevivência.
Propusemos, como alternativa, a coexistência de duas moedas. O cruzado, embora contaminado pela inflação, continuaria circulando; mas, ao mesmo tempo, se passaria a ter uma moeda forte -uma moeda indexada. Este sistema permitiria a transição gradual de uma inflação alta para um regime de estabilidade, sem necessidade de congelamentos, tabelas, conversões por médias, ou outras medidas artificiais e de escassa viabilidade política. Desnecessário dizer que todas as providências clássicas de controle inflacionário seriam tomadas concomitantemente.
Esta proposta implica a transformação das LFTs em títulos de dívida pública com as características originais das LTNS e das ORTNS. A meta é congelar o valor real da dívida mobiliária interna e introduzir reformas que permitam ao Banco Central praticar uma efetiva política monetária.
Portanto, torna-se necessária a troca das atuais LFTs por títulos que transfiram ao investidor o risco implícito daqueles papéis e que evitem a endogenização da oferta monetária. No dia do início do plano de estabilização, as LFTs serão totalmente substituídas, extinguindo-se este título. Elas seriam trocadas por ORTNs escriturais de um ano, e por LTNs de 30, 60 e 90 dias, mediante leilão.
Concomitantemente, seriam criadas condições para a circulação das ORTNs como moeda. A qualquer momento se poderia pedir a conversão da ORTN escritural em manual. Todos os preços teriam que ser anunciados nas duas moedas e se daria curso forçado à ORTN. A conversão de contratos para a moeda forte seria livremente negociada entre as partes; a troca de cruzados pelas ORTNS manuais seria livremente efetuada junto ao Banco Central.
Seriam estas as principais características de uma política de estabilização com duas moedas. A transição seria fácil, natural e sem grandes descontinuidades, como as impostas por um congelamento de preços.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 43, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (SP).