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Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

O vale-tudo e a contração

Os fatos ocorridos ao longo da semana passada deixam um saldo altamente preocupante para a economia do país. Reverteu-se subitamente - embora não se possa dizer que tenha sido de forma inesperada - o ambiente de relativa tranquilidade que prevalecera ao longo das semanas anteriores.


A inflação esperada de fevereiro poderá mostrar uma aceleração de cerca de 20% sobre a de janeiro, de mais de 56%. Espera-se para fevereiro uma inflação próxima, para mais ou para menos, de 70% mensais. Isso significa uma taxa anualizada de quase 60.000%.


Como seria de esperar, os mercados se ajustaram rapidamente, com saltos expressivos nas taxas de juros e nos preços de ativos de risco, como dólar no câmbio negro, ouro e ações. Também as expectativas inflacionárias se exacerbaram. Contudo, a vítima mais importante deste novo surto de instabilidade foi o indexador geral da economia - o BTNF.


Como o BTNF reflete o IPC do período de competência, e como esse índice de preços, por sua vez, mede a inflação corrente do mês anterior ao de competência, cria-se uma situação de desajuste toda vez que a inflação altera seu ritmo de expansão. Sem um 'indexador confiável e geral, a economia parte para um verdadeiro vale-tudo em termos de reajustes de preços. Cada qual passa a utilizar o indexador que lhe seja mais favorável, e a única restrição a essas práticas quase que aleatórias é o mercado sancionar, ou não, os reajustes pretendidos.


Esses fatos se revestem de preocupação por agravarem a hiperinflação que já está ocorrendo no Brasil. Porém, ainda mais sério, é que o sucesso de um plano de estabilização fica dificultado.


Um plano gradual e negociado de prefixação da inflação futura passa a ser um projeto de difícil execução. Como viabilizar, e ganhar credibilidade com uma política que, revestida de sucesso, possa fazer a inflação cair em dez pontos percentuais ao mês? Supondo-se que o IPC corrente esteja em 100% em março, essa política implica reduzir a inflação para 70% em junho e 40% em setembro. O presidente Collor terá todo esse tempo? A economia aguentará conviver com essas taxas de inflação por mais seis ou sete meses?


Também as tentativas de estabilização com duas moedas ficariam comprometidas. A principal razão que inviabilizaria essa proposta seria a inexistência de uma moeda forte, totalmente indexada. Tínhamos o BTNF no passado. Hoje já não podemos mais contar com ele, a não ser que o governo implemente com a maior rapidez mecanismos de indexação com base na inflação registrada a cada semana. Afinal, passamos a ter agora inflação em BTNF.


Resta como alternativa a adoção de medidas de choque. O congelamento de preços e salários seria uma das medidas a serem adotadas. Exigiria, para ter eficácia, uma forte desaceleração da economia, pois é uma medida desprestigiada em termos de apoio popular. A outra alternativa seria um choque clássico, com grandes restrições fiscais e monetárias.


Conclusão: para que a estabilização possa ocorrer não se pode descartar, malgrado o discurso oficial, um forte, porém não necessariamente longo, desaquecimento do nível de atividade da economia.


 

MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 43, é doutor pela Universidade de Harvard (EUA), diretor da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP).

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