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Marcos Cintra - O Estado de S. Paulo

O Imposto Único e o setor financeiro

Recentemente, o presidente da Federação Brasileira das Associações de Bancos (Febraban), Alcides Lopes Tápias, publicou dois importantes artigos na imprensa. Como se sabe, a Febraban contesta veementemente o projeto do imposto único. No entanto, paradoxalmente, a argumentação nos dois artigos de Alcides Tápias são argumentos gritantes a favor do IUT, como procurarei demonstrar:


Em "O Fim das Filas," publicado no Estado em 19 de maio, Alcides Tápias deplora as filas bancárias que infernizam a vida de toda a população brasileira. Afirma que há uma grande concentração de pagamentos em alguns curtos períodos de cada mês.


O IUT acabaria com o fluxo de pessoas aos bancos com a finalidade de pagar impostos, atenuando o problema diagnosticado pela Febraban e que se torna mais grave a cada dia.


Mais significativo ainda é que, com o IUT, os bancos, que, segundo Tápias, contam com "27 mil agências e postos, na maioria informatizados, interligados, e distribuídos por todo o país," se beneficiariam de brutal redução de suas necessidades de investimentos para atender o público, que não mais congestionaria as agências bancárias para cumprir as exigências fiscais.


Ainda mais impressionante seriam as economias do sistema bancário na arrecadação dos atuais impostos e contribuições sociais. Hoje eles são recolhidos por meio de um custoso processo burocrático que inclui papel, formulários, conferências pelos caixas bancários, digitação e processamento de documentos fiscais nos CPDs dos bancos, microfilmagem, emissão de relatórios, auditoria, etc.


Com o IUT, tudo isso seria abolido. Nesse sentido, não subsiste a afirmação de que a arrecadação do IUT seria custosa, pois não exige mais do que um impulso eletrônico dos computadores bancários. Em suma, os bancos deveriam ser os primeiros a se declararem favoráveis ao IUT, ao menos sob o aspecto de seus custos operacionais.


No artigo publicado na Folha de S. Paulo, "Quem Fica com os Juros," de 8 de abril, Alcides Tápias faz uma das mais bombásticas demonstrações acerca das distorções do atual sistema tributário brasileiro.


Em uma típica operação de intermediação financeira, em que o banco pagou 28% ao mês para o poupador e emprestou ao tomador a 30%, sendo a inflação no período de 25%, o investidor ficou com 26% do rendimento real da operação, o banco com 16%, e o governo se apropriou dos restantes 58%.


Diz ainda Alcides Tápias que "as despesas tributárias dos bancos comerciais em 1991 corresponderam a 149,4% do lucro líquido, ou seja, os bancos serviram mais ao governo como fonte de arrecadação do que a seus acionistas, que fizeram investimentos para compor seu patrimônio e correram o risco de suas operações."


O imposto único sobre transações corrigiria esses erros e daria ao setor financeiro condições para ser um efetivo instrumento de alavancagem financeira no país.


O projeto do IUT prevê um tratamento diferenciado para as operações financeiras. A tributação não será cumulativa, mas sim sobre o rendimento real da carteira de aplicações de cada investidor, inclusive operações em Bolsas.


Seriam criadas contas bancárias especiais, à semelhança de contas de poupança. São contas correntes, mas sobre as quais não será permitida nenhuma movimentação por meio de cheques. Elas serão criadas exclusivamente para centralizar as operações financeiras de seus titulares, inclusive as operações em bolsas. Diferentemente das contas movimento, as contas especiais somente poderão receber créditos ou débitos de outras contas especiais ou de conta movimento do mesmo titular.


Os créditos e débitos nas contas especiais serão isentos de tributação quando de lançamentos conjugados com outras contas especiais. Os valores creditados advindos da conta movimento do mesmo titular serão indexados diariamente para apuração, a qualquer momento, de seu saldo corrigido. Quando do débito da conta especial a crédito da conta movimento do titular, o valor transferido sofrerá a tributação automática incidente sobre o montante que ultrapassar o saldo corrigido, a uma alíquota de 25%, que é a alíquota média esperada do IUT.


Portanto, com alíquotas marginais de 2%, o setor financeiro teria uma carga tributária de 25% sobre seu lucro real, comparativamente ao absurdo tributário que Alcides Tápias tão bem descreveu no artigo mencionado. Usando-se como exemplo a mesma operação que Tápias usou em seu artigo, o investidor ficaria com 45% do rendimento real da operação, o banco com 30%, e o governo com os 25% restantes.


O mais interessante neste tipo de arranjo é que cessaria por completo a desintermediação financeira atualmente existente: o cheque pré-datado.


Este tipo de desintermediação desapareceria com o IUT. Os cheques pré-datados seriam tributados como qualquer outra transação, 1% em cada lançamento bancário, o que implicaria custos financeiros muito mais elevados para comprador e vendedor.


As críticas que a Febraban vem dirigindo ao IUT nada acrescentam aos tradicionais argumentos já levantados anteriormente. Todos já foram examinados e exaustivamente detalhados por vários economistas, políticos, empresários e administradores públicos em inúmeros artigos veiculados na imprensa e em variados espaços de debate em todo o país.


Pode-se considerar que a consistência técnica do IUT já foi reconhecida pelo governo e pelos autores de propostas de reforma tributária que incluem um imposto sobre transações financeiras.


Se os artigos de Alcides Tápias representam o pensamento da entidade que preside, e confiando-se na lógica, a Febraban deve estar a um passo de reconhecer a validade do IUT.




Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, economista, doutor pela Universidade de Harvard, é professor da FGV-SP e autor da proposta do imposto único, transformada em emenda constitucional pelo deputado Flávio Rocha.



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