A economia brasileira se assemelha à história do lorde inglês que decidiu treinar seu cavalo para viver sem comida. Após alguns dias, o animal morreu. "Logo agora que ele estava se acostumando!", comentou o desapontado criador.
Já se passam quase dez anos de estagnação no Brasil. Estamos nos acostumando a esse calamitoso quadro econômico-social. Mas até quando?
O problema básico reside na crise fiscal. Enquanto não forem encontrados mecanismos capazes de gerar recursos suficientes para uma adequada atuação do Estado, a ação pública continuará sendo custeada pelo imposto inflacionário, de notória perversidade social. Ao mesmo tempo, persistirá a inaceitável deterioração dos serviços públicos, sem os quais não encontraremos os caminhos da recuperação econômica, da retomada dos investimentos e do crescimento auto-sustentado.
As inúmeras e sempre frustradas tentativas de reformar a estrutura tributária atestam a urgência de resolver essa grave distorção que caracteriza a economia brasileira desde a década passada.
A proposta de reforma tributária que o governo Collor apresentou ao Congresso caminhava no sentido oposto ao desejável. Criava novos impostos, elevava alíquotas, sobretaxava itens de grande peso na formação de custos de produção e apenas remendava, insuficientemente, alguns pontos da estrutura de gastos públicos.
Os mesmos erros estão sendo repetidos pelo governo Itamar. Pressionado pela urgência e impulsionado pelo casuísmo, se improvisa em torno da proposta deixada por Collor. Uma meia-sola ao quadrado.
A peça de resistência da reforma tributária de emergência do governo Itamar é o Imposto sobre Transações Financeiras (ITF). Os tributos restantes continuam apoiados nas mesmas bases tributárias de antes e arrecadados com os mesmos instrumentos administrativos, complexos, onerosos, iníquos e passíveis de larga margem de evasão.
Em outras palavras, o novo sistema tributário continuaria dependendo predominantemente de impostos declaratórios. Os contribuintes continuariam a autoapurar e autorecolher os impostos com base em suas respectivas escriturações fiscais.
Portanto, a evasão tributária perduraria. A qualidade dos sistemas de arrecadação permaneceria a mesma, ou seja, péssima. Bastaria não declarar ou deturpar a escrituração fiscal para que a sonegação continuasse. E assim, sobreviveriam a corrupção e a expansão da economia informal.
Outro grande defeito do projeto do governo reside em sua timidez. O novo sistema tributário continuaria baseado nos fatos geradores clássicos, ou seja, a renda, a circulação, a propriedade, a folha de pagamento e o comércio exterior. Mas com um agravante: criam-se novos impostos incidentes sobre as mesmas bases, o imposto seletivo, além do ITF.
Em artigo publicado pela Folha em 18 de agosto deste ano, intitulado "Dez argumentos contra o novo imposto", foi explicado por que o imposto sobre transações é bom se for único, mas péssimo se for um imposto a mais.
O governo deturpa a proposta do Imposto Único sobre Transações. Concebido para ser o imposto básico de todo o sistema fiscal, acaba reduzido ao pouco honroso papel de mais um apêndice da estrutura arrecadatória nacional.
O governo age como o estuprador, que em sua brutalidade só vê o objeto imediato de seu apetite sexual, nada mais. Ignora completamente as virtudes desburocratizantes, moralizantes e desenvolvimentistas do Imposto Único sobre Transações e adota o ITF exclusivamente por sua alta produtividade do ponto de vista arrecadatório.
Se preconizamos o ITF, por que não aceitar sua consequência lógica, que é o imposto único?
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 47, doutor em economia pela Universidade de Harvard (EUA), é professor da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo (FGV-SP) e presidente regional do PDS.