O Brasil necessita urgentemente de uma Constituição moderna, capaz de favorecer o crescimento econômico auto-sustentado e, sobretudo, justa do ponto de vista distributivo. A atual Carta não garante essas características. Ao contrário, ela preserva privilégios, cerceia a competitividade, estimula a corrupção e a ilegalidade, impede o desenvolvimento da iniciativa dos governantes e mantém o assistencialismo, o qual não condiz com sociedades capitalistas progressivas e dinâmicas.
Tome-se como exemplo desses aspectos indesejáveis a indiscriminada estabilidade do funcionalismo público, a fixação de monopólios estatais, a complexidade da estrutura tributária, a prescrição de inúmeros direitos sem base factual, o paternalismo estéril acenado aos mais pobres e, por fim, a falta de clareza de muitos preceitos fundamentais constantes de seu texto.
Infelizmente, a oportunidade que se aproxima de reformá-la poderá ser desperdiçada, devido à perigosa proximidade do calendário eleitoral e à promiscuidade da rotina política do Congresso.
Fala-se em apressar os trabalhos constitucionais a serem iniciados em outubro. Propõe-se limitações no escopo das reformas a serem implementadas. Com isso, aventa-se a hipótese de comprometer o essencial (uma boa Constituição) em prol do acessório (ambiente eleitoral).
De qualquer forma, haverá conflitos entre os objetivos político-eleitorais dos atuais congressistas e a possibilidade deles representarem, com um mínimo de fidelidade, os anseios da sociedade. Se confirmar esse cenário, o país poderá viver um período de profundas incertezas.
Como superar esse impasse? Como diluir o risco do novo diploma não cumprir o que dele se espera?
A primeira possibilidade, a ideal, seria deslocar a tarefa da revisão constitucional para uma assembleia especialmente eleita para esse fim. Seria uma forma de estimular a participação de elementos da sociedade capazes e desejosos de contribuir para uma boa Constituição, sem fazê-los concorrer com políticos profissionais. Pode-se aventar a possibilidade de eleição conjunta com o próximo Congresso. Terminada a tarefa, a assembleia seria dissolvida.
Esse grupo, que poderia contar com uma representação parlamentar especialmente indicada pelo futuro Congresso, teria menos apego às questões eleitoreiras imediatas. Assim, poderia ser mais representativo dos diversos segmentos sociais. Isso implicaria o adiamento da atual revisão por 15 meses.
Outra possibilidade, com o mesmo prazo de adiamento, seria revisar a Constituição com o Congresso eleito em 1994. Teria a vantagem de ser elaborada no início de uma legislatura e, portanto, distante de outras eleições. Além disso, levaria as propostas de mudanças constitucionais para o debate eleitoral, permitindo maior nitidez nos programas políticos.
Por ser uma eleição presidencial, possibilitaria ao novo chefe do governo obter a maioria no Congresso, facilitando o funcionamento da administração pública em todos os níveis.
É preciso evitar o escapismo típico do Brasil, que já está, mais uma vez, vendo a revisão constitucional como uma nova panaceia para a atual crise que o país atravessa. Há um enorme risco de frustração caso ela ocorra em outubro próximo.
MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 47, é secretário do Planejamento e de Privatização e Parceria do município de São Paulo, doutor em economia pela Universidade de Harvard (EUA) e professor catedrático da Fundação Getulio Vargas (SP).