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Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Reforma tributária: os mitos os fatos

"O grande inimigo da verdade é sempre o mito". - J. F. Kennedy


Na discussão da reforma tributária, o establishment acadêmico parte de uma premissa falaciosa: que os impostos em cascata, como o Imposto Único sobre Transações (IUT), devem ser sumariamente descartados. E recomenda o uso de impostos sobre o valor agregado (IVA), como o ICMS.


Pretendo mostrar neste artigo que o IUT, mesmo sendo um imposto cumulativo (em cascata), pode ser mais neutro do que os incidentes sobre o valor agregado.


Dados de uma matriz de relações interindustriais para o Brasil de 1980 comprovam esta afirmação para os 35 setores considerados. Supondo-se um modelo que incorpora o "mark-up" como forma de fixação de preços, a conclusão usualmente aceita de que os impostos sobre valor agregado são neutros é radicalmente alterada.


Se for considerado que os créditos tributários do TCM (Taxa de Circulação de Mercadorias) e do IPT (Imposto sobre a Propriedade Territorial) são diferidos a partir da aquisição de insumos, a taxa de "mark-up" incidirá sobre esses créditos - como se fossem custos financeiros. Isso faz com que os impostos sobre valor agregado tenham impactos não neutros na formação de preços setoriais.


Conclui-se que a carga tributária resultante do Imposto Único, em comparação com impostos sobre valor agregado, não implica nenhuma das desvantagens normalmente atribuídas a impostos em cascata.


A tabela anexa mostra com clareza que a carga tributária sobre o preço final resultante do Imposto Único atinge um máximo de 8,18% no setor de destilação de álcool e um mínimo de 3,03% no refino de petróleo.


Por outro lado, para a mesma estrutura produtiva, um imposto sobre valor agregado como o ICMS a uma alíquota de 175 implica uma carga tributária que varia de 18% a 31%.


Em ambos os casos, tomou-se como padrão de comparação o custo de produção sem impostos. Cumpre acrescentar ainda que a variância da carga tributária setorial ao caso do imposto sobre valor agregado é significativamente mais acentuada do que com o IUT, como pode ser visto no gráfico.


Conclui-se que o Imposto Único implica carga tributária mais baixa e menor variação nos preços finais, relativamente aos impostos sobre valor agregado.


Tais conclusões contestam dogmas tributários segundo os quais os impostos sobre valor agregado são sempre neutros e os impostos cumulativos necessariamente causam profundas distorções. Na realidade, tais conclusões dependem criticamente dos mecanismos de fixação de preços na economia, bem como da hipótese de que o mercado funcione em regime de competição perfeita.


Os resultados apresentados podem ainda ser comparados com a carga tributária efetiva da indústria brasileira, medida por um recente estudo elaborado pela Federação das Indústrias de Minas Gerais. Segundo aquele trabalho, a carga tributária sobre o faturamento em vários setores varia de 14% até mais de 80%, sendo a média próxima de 29%.


Trata-se de uma elevada carga teórica de impostos, mas que na prática não se materializa devido à evasão, à sonegação e à crescente expansão da economia informal. Por si só, esses fenômenos tornam a incidência tributária no país altamente aleatória e fortemente distorciva dos preços relativos. Tais inconvenientes tornam-se ainda mais sérios ao se verificar que os IVAs são aplicados com alíquotas múltiplas, o que faz com que as distorções nos preços relativos sejam magnificadas.


Se tivermos coragem para questionar os dogmas e os mitos tributários cegamente aceitos, veremos que o IUT amplia de forma notável a base tributária, com custos de arrecadação praticamente nulos. E mantém a mesma arrecadação. Tudo com cargas tributárias setoriais sensivelmente mais baixas do que as atuais e com mais neutralidade alocativa.




Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, 47, Secretário do Planejamento e de Privatização e Parcerias do município de São Paulo.

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