O IPMF tem sido um grande saco de pancadas. Críticas de todos os lados. Até mesmo os que apregoam a implantação de um tributo universal sobre as transações bancárias idêntico ao IPMF em sua mecânica –como eu e outros defensores do Imposto Único– lançaram farpas contra ele, embora em tese pudéssemos até defendê-lo como a ponta de lança de uma ampla reforma tributária.
O patrulhamento contra o IPMF é tão intenso que uma das poucas manifestações favoráveis a ele, publicada nesta Folha em 20 de janeiro, pelo presidente do Tribunal de Contas do município de São Paulo, Paulo Planet Buarque, foi prontamente rebatida por Antônio Corrêa de Lacerda no dia 25 de janeiro. O contra-ataque chegou às raias da grosseria.
O autor julgou-se no direito de questionar o conselheiro do TCM acerca de quais "interesses" estaria defendendo apenas por ser simpático ao IPMF!
O que evidentemente nos dá o direito de perguntar a Antônio Corrêa de Lacerda se ele não estaria defendendo os interesses dos sonegadores. Cabe lembrar que o grande industrial Antonio Ermírio de Moraes declarou em recente entrevista à revia "Manchete" (6 de outubro de 1993) que colocou toda sua estrutura jurídica e tributária para analisar o IPMF. A conclusão foi de que se tratava de um imposto insonegável. Concluo que os atuais meliantes tributários não devem ter o IPMF em boa conta.
É certo que os defensores do Imposto Único sofreram enorme decepção com o estupro de sua proposta. O IPMF se assemelha ao Imposto Único sobre Transações, IUT, em sua mecânica operacional. Contudo, como afirmou Roberto Campos, diferencia-se totalmente em relação à sua filosofia.
Aproveitou-se apenas o enorme potencial arrecadador deste tipo de imposto. No período em que foi cobrado (três semanas em setembro, com feriados e baixo movimento comercial), o IPMF gerou cerca de US$ 150 milhões por semana. Uma arrecadação anual de quase US$ 8 bilhões. Mais de 15% de toda a arrecadação federal em 1993, que foi de US$ 46 bilhões. O equivalente ao total do IPI, metade das contribuições ao INSS e 60% do Imposto de Renda. Tudo isto com uma alíquota de uma quarta parte de um centésimo da movimentação bancária, cobrado praticamente sem custo para o governo ou para o contribuinte.
O mais surpreendente ainda é que se trata de um imposto que foi declarado ilegal no ano passado. Mesmo assim, não se tem conhecimento de nenhuma ação judicial de ressarcimento. Este desinteresse se deve aos baixos valores recolhidos por cada contribuinte, pois a base de incidência do IPMF é muito ampla (no caso do Imposto Único a base seria universal). Quando todos pagam, todos pagam pouco.
O IPMF foi bem menos universal do que o Imposto Único pretende ser. Ficaram de fora do IPMF um grande número de empresas que obtiveram liminares, os setores constitucionalmente imunes, como templos religiosos, empresas sem fins lucrativos, editoras de livros e jornais, papel de imprensa etc. Os bancos também não pagam o IPMF, pois movimentam seus recursos diretamente da conta de reservas. No total, um vazamento estimado de 5% a 10% da arrecadação possível.
A robustez arrecadadora do imposto sobre transações bancárias induziu o governo a adotá-lo e a insistir na sua cobrança. Contudo, sua principal virtude foi solenemente ignorada.
O IPMF foi implantado como um imposto a mais e não como o único imposto arrecadatório. O governo acabou não se servindo ds enormes virtudes desburocratizantes, simplificadoras, moralizantes e altamente redutoras dos custos sociais de arrecadação tributária que o Imposto Único poderia gerar.
Ao fazer o IPMF incidir cumulativamente sobre a atual avalanche de impostos, o sistema tributário nacional tornou-se ainda mais complexo e mais distorcido. Também não se fez uso pleno de um imposto que, se único, tornaria universal a base de incidência tributária, sem sonegação, sem evasão e com a total incorporação da economia informal à cidadania tributária.
A característica não-declaratória do IPMF permite o milagre da multiplicação dos pães. A Cofins guarda enormes semelhanças com impostos sobre lançamentos bancários como o IPMF e o Imposto Único. Só que cobrada de forma declaratória, com base no faturamento reconhecido pelas empresas. Mas embora com uma alíquota oito vezes mais alta (2%), a Cofins deve arrecadar em 1994 os mesmos US$ 8 bilhões que o IPMF. Mesmo admitindo-se para a Cofins uma base de cálculo 50% menor, a comparação destes números mostra que a evasão de tributos no país é alarmante. O IPMF multiplicaria por quatro o universo de contribuintes.
Mas é lastimável que o governo tente se utilizar do IPMF como um instrumento de terrorismo tributário. Pressiona os bancos para desrespeitarem o sagrado sigilo bancário e divulgarem as relações nominais dos contribuintes do IPMF no ano passado. É sabido que isto deverá comprovar a enorme discrepância entre os valores transacionados e aqueles declarados por boa parte das empresas brasileiras. Um potente instrumento de identificação dos sonegadores.
Mas este renascer de xerifes –já tivemos outros dr. Strangeloves tributários, Travancas etc. e que passaram sem deixar maiores vestígios– geram um subproduto altamente indesejável. Predispõe o contribuinte, com ou sem a ajuda dos bancos, a evitar as transações bancárias e consequentemente o IPMF. Mesmo que isto lhe custe mais do que a economia proporcionada pelo não recolhimento do tributo, mas menos do que os valores sonegados dos demais impostos.
Não é por outra razão que as primeiras informações indicam que o recolhimento do IPMF em 1994 está sendo paradoxalmente menor do que o arrecadado em 1993, quando em realidade o nível de atividade mais elevado indicaria o inverso.
A filosofia do Imposto Único é diametralmente contrária a isto. Trata-se de um imposto não declaratório e que, por não identificar o contribuinte, não o predisporia a tentar qualquer tipo de evasão. E eliminaria a presença do leviatã governamental espreitando a vida cotidiana de cada um.
Com o IPMF o governo se serve de um bom instrumento para atingir péssimos objetivos. Busca apenas aumentar a carga tributária sem uma imprescindível reforma do sistema.
O IPMF padece de males profundos. Mas está correto o conselheiro Paulo Planet Buarque. Analisado isoladamente, é um imposto democrático e que, se levado à sua consequência lógica, o Imposto Único, poderia consumar a revolução tributária que o país deseja e precisa.