A criação do real a partir de julho está sendo aguardada com otimismo. Espera-se que a inflação caia para taxas mensais próximas de 3%. Há, contudo, armadilhas traiçoeiras.
Uma delas se refere ao vício, adquirido em décadas de inflação, do uso generalizado de variadas formas de indexação.
O que antes era só um analgésico usado em casos de desconforto grave acabou se tornando um medicamento corriqueiro, ingerido sem se considerar seus efeitos colaterais, como a inércia inflacionária.
Mais grave ainda é que o organismo econômico habituou-se ao uso do medicamento, perdendo a imunidade aos efeitos da doença inflacionária.
A qualquer sinal de redistribuição perversa de renda, os setores lançam-se ao uso do bálsamo indexatório. Até de forma preventiva, como os trabalhadores no transporte coletivo de São Paulo, que obtiveram reajustes salariais por presumidas perdas futuras!
Após a introdução do real, este hábito criará problemas ao combate à inflação. Haverá inflação na nova moeda. Parte dela residual e que, na ausência dos mecanismos de indexação, tenderia a ser absorvida pelo organismo econômico e a desaparecer em pouco tempo.
Outra parte, de natureza estrutural, renovada a cada ciclo econômico pelos focos autônomos de pressões inflacionárias não extirpados pela fracassada revisão da Constituição.
O Plano Real prevê o fim dos mecanismos de indexação, para evitar a retroalimentação inflacionária. Mas como reagirá o organismo econômico? Com inflação mensal de 3% e reajustes contratuais anuais, as perdas podem passar de 40% no período. A síndrome da abstenção poderá ser violenta.
Até agora, o governo vem aplicando placebos e analgésicos para anestesiar a memória inflacionária; leia-se URV, superindexação e troca de moeda.
A inflação que sobra após a terapia é a mais difícil de ser combatida. Os focos inflacionários não foram extirpados e os agentes econômicos resistirão à proibição do uso da indexação. Restará apenas o recurso de forte política contracionista que, além de dolorosa, já deu mostras de não ser infalível.
MARCOS CINTRA, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), e professor titular da Fundação Getulio Vargas.