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Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Moeda forte... até quando?

O R$ chegou em meio a grande estardalhaço. Foi a maior operação de troca de moeda do país. Em seu primeiro dia de vida, o real foi mais forte que o dólar.

Na sexta-feira, os mercados de câmbio vendiam dólares a CR$ 2.500,00, ao passo que o real valia CR$ 2.750,00. Paira uma pergunta: até quando?

Outros planos de estabilização já tentaram manter a paridade fixa entre a moeda brasileira e o dólar. Fracassaram. Será que o R$ será diferente?

Vários fatores conspiram para desfazer o sonho.

O fracasso da reforma constitucional não permitiu a modernização do país. Não se fez o ajuste fiscal e o déficit de caixa perdura no governo federal. Não se reformulou o sistema previdenciário. A política monetária tornou-se mais dependente do Executivo com o fechamento do Conselho Monetário Nacional à participação do setor privado. O sistema tributário não foi reconstruído.

Os cartórios públicos e privados continuam intactos, e não se abriu a economia aos capitais externos.

A transição entre as duas moedas foi marcada por inesperado processo inflacionário. A cesta básica subiu em junho mais de 60%, contra a evolução de 45% da URV.

A súbita alta de preços será reforçada pelos efeitos estatísticos dos métodos de cálculo dos índices de custo de vida, que deixaram de fora a inflação dos últimos dez dias de junho. O resultado será inflação residual significativa nos primeiros meses de vida da nova moeda.

A isto deve-se somar o natural ceticismo quanto à eficácia da âncora monetária. As pressões sobre o Tesouro serão enormes em período eleitoral.

Os agentes econômicos tornaram-se pouco tolerantes com as perdas inflacionárias. Com inflação em reais em torno de 5% ao mês, em breve haverá amplo movimento em favor da reindexação de salários e câmbio, dando novo impulso a um processo de reinflação.

Nada mudou na economia brasileira. Apenas aplicou-se o macete da URV para desinercializar a inflação. O real poderá ser tão ilusório quanto uma "pequena" gravidez.

 

MARCOS CINTRA, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), e professor titular da Fundação Getulio Vargas.


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