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Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Privatizar para corrigir injustiças

"No socialismo, as intenções são melhores que os resultados; e no capitalismo, os resultados são melhores que as intenções", apontou Churchill. A boa sabedoria popular complementaria dizendo que de boas intenções o Inferno está lotado. Portanto, não surpreende que as regras de mercado tenham sobrepujado amplamente o intervencionismo governamental. Nos mais variados campos de atividade em que o setor público se inseriu, busca-se a privatização, como forma de transformar boas intenções em resultados palpáveis.


Mas apesar dessa constatação histórica evidente, muitos ainda se deixam levar por intenções louváveis, ainda que ineficazes. Analisando a caótica situação da saúde no Brasil em um artigo publicado em "O Estado de S. Paulo" em 10 de dezembro, o deputado federal eleito e professor José Aristodemo Pinotti, médico renomado e ex-secretário de Saúde em São Paulo, aponta com precisão as falhas na administração pública para o setor. Contudo, o articulista teme as propostas de privatização do sistema, que, segundo ele, "só irá agravar o problema e perpetuar sua iniquidade social". E arremata dizendo ser necessário impor "limites para o liberalismo no Brasil injusto de hoje".


De fato, o descaso e a ineficiência no atendimento público de saúde são gritantes e revoltam qualquer cidadão que tenha um mínimo de sentimento de fraternidade. Mas como então continuar defendendo a presença do setor público como provedor desses serviços? Até quando continuar insistindo em transformar o governo em produtor eficiente, apesar de décadas de fracassos e de frustrações?


O setor público difere do setor privado. No primeiro, o interesse coletivo não é preservado com o mesmo zelo que se observa na satisfação de interesses pessoais e privados. A corrupção encontra campo mais fértil. Daí a necessidade de controles caros e aparentemente irracionais (a burocracia) para preservar e defender o patrimônio coletivo. Essas características tornam o setor público inerentemente mais ineficiente que o privado.


Atribuir a ineficiência pública exclusivamente aos maus administradores, à idiotice dos burocratas, à falta de espírito público do funcionalismo ou à capacidade dos políticos, é possuir visão voluntarista e incapaz de avançar na busca de soluções. O corolário imediato dessa atitude são propostas utópicas e irrealistas, como a tentativa de se criar uma nova casta de funcionários públicos, políticos e administradores perfeitos, éticos e dedicados inteiramente ao interesse coletivo. Mas quanto tempo há de se conviver com a ineficiência e os altos custos do setor público até que esta nova mentalidade social e cultural permeie a sociedade brasileira?


A alternativa imediata é a privatização. Mas será que privatização implica riscos de aprofundar as injustiças? Depender mais fortemente do mercado significa deixar os menos favorecidos e os mais fracos relegados à sanha dos mais fortes? Otavio Frias Filho faz essa pergunta em seu artigo de 8 de dezembro na Folha, quando diz que "a grande dúvida é saber como sobreviverão as pessoas menos aptas nesse ambiente de feroz competição" que o sistema de mercado pressupõe.


O articulista compreende bem as deficiências do setor público quando escreve que o socialismo pode ser uma modalidade de assistencialismo, e que, ainda que à custa de ineficiência —e até talvez da perpetuação da miséria—, o estatismo propiciava um mínimo de equilíbrio nas relações sociais. Os críticos do liberalismo e os apologistas do assistencialismo não se apercebem de que o modelo estatista tem sido de extrema crueldade para com os menos afortunados.


Em realidade, os erros públicos acabam trazendo mais prejuízos para a sociedade do que as falhas de mercado. O setor público é hoje fator de extrema assimetria na qualidade dos serviços disponíveis à população. De um lado, os que desfrutam de bons serviços oferecidos pelo setor privado; de outro, os que dependem da oferta pública, vitimados por serviços inadequados, e socialmente mais caros que os privados.


A privatização não enfrenta objeções, alegando que o Estado deve produzir diretamente bens e serviços considerados típicos do governo. O argumento é equivocado. O Estado deve controlar a oferta de bens públicos. Ou seja, deve definir a qualidade, fiscalizar e garantir acesso a todos. Mas não deve confundir controle com produção. Também não deve acreditar que privatizar um bem público signifique transformá-lo em bem privado, ofertando-o a preço de mercado. O Estado deve minimizar a produção de bens públicos para maximizar o controle sobre sua oferta.


Para que o serviço seja "público", o motorista de ônibus não precisa ser funcionário público, nem os médicos e enfermeiras precisam ser empregados municipais. Basta que as escolas (não importa o estatuto trabalhista dos seus funcionários) cumpram as formalidades e exigências do poder público, os ônibus cumpram roteiros e periodicidades, sob parâmetros de custos fixados pelo município, e o tratamento de saúde seja assegurado aos cidadãos. Se o setor privado fornece os serviços a custos mais baixos (o que sempre ocorre), o certo é terceirizar, conceder ou permitir-lhe sua produção. Privatizar significa eliminar assimetrias. Significa que a sociedade passa a desfrutar de bens e serviços públicos a custos mais baixos. Portanto, com o mesmo volume de recursos tributários, torna-se possível aumentar a oferta. Privatizar significa corrigir injustiças, e não aprofundá-las, como sugerem os estatófilos.


MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE, 48 anos, doutor em Economia pela Universidade de Harvard (EUA), é vereador de São Paulo pelo PL e professor titular da Fundação Getúlio Vargas. Foi secretário do Planejamento e de Privatização e Parceria do Município de São Paulo na administração Paulo Maluf.

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