O nível das divisas era motivo de contínua preocupação e de grande rigidez na política cambial. Com o real supervalorizado, as contas externas permaneciam deficitárias, exigindo a manutenção das taxas de juros em patamares elevados para atrair capitais externos de curto prazo para financiar o rombo cambial resultante. Isso, além de provocar uma queda incontornável no nível de atividade econômica, restringia a flexibilidade da política monetária do governo, já que a ameaça de uma grave crise cambial tornava a taxa de juros inflexível para baixo.
A inibição dos investimentos, o desemprego e a inadimplência que se espalhou pela economia desaconselharam essa política. Além disso, a manutenção do aperto na política monetária aprofundou o déficit público, que, não por acaso, voltou a se destacar entre os itens mais importantes das despesas públicas.
O simples anúncio da elevação da faixa de variação cambial não implica necessariamente uma imediata desvalorização do real, mas amplia o espaço para a administração da taxa de câmbio. Esse mecanismo tem a vantagem de permitir uma gradação da desvalorização da moeda nacional. A desvalorização se tornou a única saída para alargar a área de manobra no controle da demanda interna através da política monetária e garantir correções essenciais na balança de pagamentos.
Entretanto, quem acha que já apertou o cinto o suficiente deve estar preparado para a fase mais difícil de qualquer plano de estabilização: o ajuste às taxas de inflação externa, quando as ameaças de reinflação se aprofundam. Isso é especialmente verdadeiro na ausência de fundamentos sólidos para a estabilidade, como a reforma tributária e administrativa do setor público.
Como na economia sempre existe um trade-off, é preciso considerar os efeitos colaterais da nova faixa cambial. A depreciação da moeda implica uma redução na demanda interna. No entanto, há o risco de que a desvalorização seja anulada pelo aumento da inflação, levando a novas desvalorizações e a uma espiral câmbio/salário cruel.
Enquanto, anteriormente, as altas taxas de juros eram o instrumento principal para financiar o déficit externo, agora elas servem para evitar desequilíbrios internos. Portanto, não se deve ter ilusões sobre a flexibilização da política de juros altos pelo governo.
A ampliação da banda de variação cambial é uma medida correta e oportuna. O gradual abandono da âncora cambial na estratégia de estabilização envolve riscos menores para o setor externo da economia e permitirá um controle mais eficaz dos fluxos de capital de curto prazo. Além disso, aponta para o fim do período de combate à inflação com crescimento econômico ostensivo.
Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade de Harvard.