O governo ainda não conseguiu atacar as causas básicas da inflação, de modo a assegurar a continuidade da estabilização alcançada com o Plano Real. Embora tenha avançado passos importantes no seu programa de reformas da ordem econômica no Congresso Nacional, consubstanciadas na quebra dos monopólios, com repercussão favorável junto aos investidores, essas ainda não completaram seu trâmite no legislativo ou estão na dependência de leis complementares para se tornar operacionais e ter conseqüência prática. Permanecem emperradas as reformas tributária, fiscal, administrativa do setor público e da Previdência. As privatizações arrastam-se.
Desconsiderando as propostas de emenda constitucional existentes no Congresso Nacional, sobre matéria tributária, e em meio às divergências no seio de sua equipe econômica e de sua base parlamentar, o governo encaminhou-lhe sua proposta no final do mês de agosto. Com alterações cosméticas, conseguiu acirrar descontentamentos, dentro e fora dele. Dela, nada se espera — hipótese otimista — antes de 1998. Incapaz de reduzir gastos, o governo continua a produzir déficits e a torturar o contribuinte, com alterações normativas nos impostos existentes ou a criação de outros, buscando, sempre, elevar sua capacidade de arrancar-lhe, mais e mais, recursos. Apesar do brutal arrocho tributário e do contínuo crescimento das receitas do governo, o rombo orçamentário esperado para 1995 é de cerca de US$ 10 bilhões. Já se cuida de prorrogar o Fundo Social de Emergência.
A reforma administrativa do setor público entra e sai da ordem do dia, gera controvérsias em face dos interesses corporativos atingidos e não caminha, apesar do sopro de esperança a ela dado pelo empenho dos governadores estaduais em eliminar os óbices constitucionais à sua liberdade de administrar seu quadro de pessoal, reduzir suas despesas de custeio e gerar saldo de recursos para investimentos. A reforma da Previdência, depois da confusão que causou, é, hoje, solene e convenientemente, ignorada.
As privatizações estão em marcha lenta, apesar de seu papel estratégico, pois os recursos obtidos com a venda de estatais deverão ser canalizados para resgate de títulos públicos e redução da dívida interna o que, por sua vez, levará à queda das despesas financeiras do governo e, por conseguinte, dará consistência à da taxa de juros. Além disso, poderá contribuir, decisivamente, para o melhorar a situação das contas públicas, amenizar as tensões inflacionárias e atuar como linha auxiliar na administração da taxa de câmbio, enquanto não são atacadas as causas primárias do desequilíbrio macroeconômico, através das reformas tributária, fiscal e administrativa do setor público e da Previdência. Daí a importância de, enquanto isto, dinamizar as privatizações, e tirá-las da estagnação em que se encontram, atualmente.
O Programa Nacional de Desestatização — PND superou, com competência, a complicada e trabalhosa etapa de sua própria concepção. Superou, inclusive a espinhosa ação de lidar com a exploração política, político-partidária e sindical, de que tem sido alvo, muitas vezes, com o emprego de violência fisica ou institucional, como tem acontecido com greves em setores essenciais, como reação à saída do Estado de atividades que podem ser, perfeita e mais eficientemente, assumidas pelo setor privado.
Seu desempenho pode ser considerado razoável. Pois, desde que foi deflagrado, em outubro de 1991, com a venda da Usiminas, 33 empresas foram transferidas, por venda, ao setor privado, até o final do governo anterior. Ou seja, em média, foi privatizada uma empresa a cada 34 dias, nos 38 meses até então decorridos. A primeira fase do PND, compreendendo a transferência de empresas estatais produtoras de bens, só não pode ser considerada encerrada porque não foram privatizadas a Petrobrás e a Companhia Vale do Rio Doce — CVRD.
Resta, assim, dar-lhe seguimento com a segunda fase, que compreende a venda das estatais prestadoras de serviços, como as distribuidoras de energia — iniciada com a venda da Escelsa, por várias vezes adiada — e das 16 hidroelétricas em construção, algumas com obras paralisadas. A venda da Escelsa e das ações da Copene são as únicas privatizações do atual governo.
As perspectivas para as reformas não são nada animadoras. Alguns ministros e o próprio presidente da República já declararam que o governo não tem prazos fixos para a aprovação das reformas tributária e administrativa. Políticos que o apoiam já assumem que elas só encontrarão oportunidade na pauta de trabalhos do Congresso em 1996. Só que aquele será um ano de eleições, fato que imprime grande incerteza à regularidade de trabalho dos parlamentares. Declarações semelhantes, de ministros e políticos, dão a entender que há grande controvérsia, dentro e fora do governo, quanto ao prosseguimento das privatizações.
As reformas da ordem econômica em trâmite no Congresso têm sua conclusão envoltas em sérias polêmicas; e a tributária, fiscal e administrativa e da Previdência e a retomada firme das privatizações não têm um horizonte definido e seguro para ser aprovadas e implementadas ou retomadas. Enquanto isto, embora o Brasil exerça grande atração sobre os investidores externos, pela magnitude de seu mercado e estrutura produtiva diversificada, o estado caótico das finanças públicas impossibilita a recuperação e ampliação da infra-estrutura, essencial ao crescimento e à redução do chamado "custo Brasil".
Na ausência das reformas, a consolidação do Plano Real e a abertura de um cenário definido e favorável ao crescimento continuarão no campo das expectativas. Sem elas, os investimentos não virão. Portanto, as reformas e as privatizações precisam retomar e não mais perder o fôlego.
Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, doutor em Economia pela Universidade de Harvard (EUA).