Em breve as economias modernas serão totalmente desmonetizadas. A desconfortável moeda manual -antihigiênica e de custosa manipulação, que, como lembrado por Keynes, é uma relíquia bárbara dos tempos em que os meios de troca eram mercadorias com valor intrínseco -irá desaparecer por completo. O avanço tecnológico e a revolução da informática começam agora a alterar em profundidade as formas como as trocas se realizam nas economias contemporâneas. O dinheiro de papel será substituído pelas mais variadas formas de moeda escritural, dentre elas o cheque, o dinheiro de plástico e a moeda eletrônica. O exemplo mais evidente dessa mudança pode ser observado na eficiência e na robustez dos impostos sobre transações financeiras, como a CPMF. Setores de todas as tendências ideológicas têm apontado a modernidade operacional da CPMF, a exemplo de Roberto Campos, Maria da Conceição Tavares, Everardo Maciel e Roberto Freire. Infelizmente, o mesmo não se pode dizer dos princípios e objetivos que nortearam a adoção desses tributos, já que foram diretamente justificados pela sanha arrecadatória com que o governo vem avançando sobre os contribuintes brasileiros desde princípios da década de 90. O desaparecimento da moeda manual ocorreu precocemente no Brasil, induzido pela inflação crônica que durou cerca de 40 anos. Estimulada pela corrosão do valor da moeda manual, a sociedade brasileira investiu pesadamente no sistema bancário e deixou de usar dinheiro vivo. O sucedâneo encontrado foi o cheque. Trata-se de moeda escritural que vem se tornando obsoleta, pois ainda implica utilização física de papel. O Brasil se antecipou a uma tendência mundial e já opera com taxas de 3% de monetização (papel-moeda em poder do público) em relação ao PIB, certamente a mais baixa do mundo entre as economias ocidentais. Vale lembrar que, apesar da estabilização da moeda, a remonetização foi mínima. Os impactos redutores de custo de transação causados pela informatização nas formas de pagamento sobrepujaram amplamente as crescentes tarifas bancárias e a brutal queda no custo de oportunidade da manutenção de saldos líquidos. Pode-se afirmar com razoável grau de certeza que a moeda manual irá desaparecer em breve, vindo a ser substituída pela moeda escritural eletrônica. Esse fato vem sendo observado em recentes reportagens publicadas na “The Economist” em 1997. A mais dramática experiência vem da Bélgica, com a criação do Proton, que concorre com o sistema Mondex, controlado pela MasterCard, e com as demais formas de “e-cash”, como a Visa Cash. Mais de 1 milhão de belgas podem fazer suas transações, mesmo de baixo valor, simplesmente inserindo seus cartões eletrônicos nas leitoras instaladas em lojas, jornaleiros, táxis etc. Ao final do dia, os comerciantes fazem o “download” de suas leitoras nos computadores do sistema bancário e, instantaneamente, suas contas bancárias são creditadas no valor correspondente, evitando assim os elevados custos, e também os riscos, das transações em dinheiro. Mais de 15 milhões de cartões espalhados em dezenas de países e quase 100 mil terminais de venda já compõem a rede de dinheiro virtual. A generalização desse sistema em todo o mundo, transformando-nos em uma “cashless society”, é apenas uma questão de tempo. Vale acrescentar que os estabelecimentos comerciais pagam 0,7% do valor da transação eletrônica para ter o direito de sua utilização, além das taxas fixas cobradas dos consumidores. Isso faz com que as críticas ao imposto único, que alegam que a alíquota de 1% sobre as transações causará desintermediação bancária, remonetização da economia e até mesmo a volta ao pré-histórico escambo, tornem-se argumentos no mínimo risíveis. Em suma, criam-se condições crescentemente favoráveis para que a proposta do imposto único seja discutida com seriedade pelo governo como uma alternativa viável para a inadiável, porém sempre adiada, reforma tributária no Brasil. Deve-se aproveitar o fato de que, ainda que por razões erradas (a inflação crônica), o Brasil já chegou ao destino certo (transacionar sem dinheiro vivo). Tecnológica e culturalmente, o Brasil está preparado para o imposto único.
Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, doutor em Economia pela Universidade de Harvard (EUA).