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Marcos Cintra - Correio Braziliense

Falta confiança

Na sexta-feira, 29 de janeiro, o Brasil sofreu uma corrida bancária. Foi um dia complicado, que resultou na queda do presidente do Banco Central, recém-indicado, e na quase demissão do ministro da Fazenda. Não se trata de analisar se os fatos eram, ou não, suficientemente graves para justificar o ocorrido. Análise posterior mostrou que não. Mas a verdade é que nada teria ocorrido se o governo e as autoridades econômicas contassem com a confiança e a credibilidade da população. Pânicos bancários apenas ocorrem quando se atinge o último grau na escala de perda de confiança nas instituições. Infelizmente, a história econômica recente em nosso país dá margem a crises de credibilidade. Confiscos, congelamentos e medidas arbitrárias e ofensivas aos princípios mais comezinhos de civilidade abundam, neste e em governos recentes. Lembro-me da observação feita pelo ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso acerca dos limites da atuação do governo em sua época. Apesar de todo o poder que detinham, jamais as autoridades econômicas extrapolavam dos limites impostos pela legislação tributária vigente. Não ousavam sequer pensar em aumentar impostos ou alíquotas com a ligeireza com que fazem agora por meio de portarias, atos normativos e medidas provisórias. O governo não conta hoje com a credibilidade, nem com a confiança, nem com a simpatia da população para conduzir a política econômica. Mas pode reconquistá-las. O grande desafio, no momento, é duplo: primeiro, encontrar o valor de equilíbrio do real, de forma a permitir a redução, ou até a reversão, do déficit comercial que hoje chega a 4% do PIB; segundo, absorver os impactos da desvalorização do real sem permitir que a necessária alteração nos preços relativos da economia (entre os bens transacionados com o exterior e os de produção e uso internos) se transforme em inflação.


O primeiro desafio está bem encaminhado. A condução do Banco Central por um homem de mercado é fundamental nesta hora de incertezas. A indicação de Armínio Fraga é tranquilizadora. O segundo, no entanto, vai exigir que os agentes econômicos aceitem perdas imediatas de renda e de participação no PIB, acreditando na recomposição futura de seus rendimentos pela retomada do crescimento econômico. Em outras palavras, se a relação salário/câmbio não cair, a desvalorização terá sido em vão, e a inflação será a resultante inevitável. Evidentemente, não é tarefa trivial convencer os assalariados a aceitarem perda do poder aquisitivo de seus salários. Mas é fundamental que o governo resista às pressões para a reindexação formal da economia e adote uma política econômica capaz de evitar que o mercado sancione a formação de uma espiral inflacionária.


Como fazer tudo isso é outro assunto. Mas é indispensável que o governo sinalize uma trajetória de retomada do crescimento econômico e de controle do déficit fiscal. Parece-me, no entanto, que a opção escolhida pelo governo e pelo FMI foi a contenção fiscal e monetária. Não vai funcionar. Restrição monetária e aumento de impostos — num quadro caracterizado por alto endividamento, crescente déficit fiscal, contração econômica, pouca ou nenhuma flexibilidade para novos cortes de gastos e queda de arrecadação — é o caminho certo para a continuidade da crise e da recessão. E também para a retomada do conflito distributivo autofágico, que desembocará na inflação.




Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, doutor em economia pela Universidade de Harvard (EUA) e professor-titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, é presidente estadual do PL/SP e deputado por São Paulo.

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