Muito se tem falado acerca das causas da atual crise econômica, mas poucas alternativas têm sido propostas para superá-la.
No momento, o grande desafio é absorver os impactos causados pela desvalorização do real sem permitir que o conflito distributivo resultante implique na geração de uma nova espiral inflacionária. Ao mesmo tempo, é necessário retomar o crescimento econômico, sem o qual os custos sociais da estabilização se tornarão insustentáveis.
A desvalorização do real somente valerá a pena se três condições forem satisfeitas.
Primeiro, os preços dos produtos comercializados com o exterior deverão subir relativamente aos produtos exclusivamente internos. Se isso não ocorrer, a desvalorização do real terá sido inútil.
Segundo, como consequência da desvalorização, os salários reais precisarão cair, ou seja, a relação salário/câmbio terá de evoluir contrariamente aos assalariados brasileiros. Em outras palavras, os salários internos precisarão comprar menos do que compravam antes. Os brasileiros precisarão enfrentar uma redução em seu poder de compra.
Terceiro, essa modificação nos preços relativos e os impactos na renda e na riqueza das diversas camadas econômico-sociais terão de ser absorvidos sem resultar em conflitos distributivos. Se cada perdedor tentar recuperar suas perdas através do aumento de seus preços ou de sua renda, isso resultará no ressurgimento dos mecanismos de indexação e no retorno da espiral inflacionária. Se isso ocorrer, os efeitos desejados com a desvalorização do real serão anulados rapidamente.
Se essas três condições não forem satisfeitas nos meses à frente, todo o esforço terá sido em vão, e estaremos de volta ao ponto de partida.
Nessas circunstâncias, é crucial encontrar meios de compensar os perdedores da desvalorização do real sem incentivá-los a buscar a reindexação da economia. Esse é o atual desafio.
A política que o governo está aplicando é de manter os juros elevados e buscar o ajuste fiscal. Dessa forma, o desaquecimento da demanda forçaria a absorção de perdas de renda, e o mercado não permitiria aumentos de preços decorrentes da desvalorização.
No entanto, essas medidas aumentarão os custos sociais da estabilização.
Uma alternativa para resolver esse dilema é a retomada imediata do crescimento. A expansão da atividade econômica aumentaria a renda e a poupança internas. Além disso, permitiria o aumento das receitas fiscais e, dada a queda nos gastos públicos, reduziria o déficit.
A expansão da atividade econômica interna poderia ser alcançada por meio de aumentos nos investimentos públicos e no consumo do governo. No entanto, as condições atuais são desfavoráveis. Vejamos.
O aumento nos investimentos públicos e no consumo do governo tornaria o déficit público ainda mais insustentável do que já é; o aumento no fluxo de capitais de risco externos é inviável devido à atual crise de credibilidade; o aumento significativo e imediato das exportações encontra forte obstáculo na baixa produtividade doméstica e na falta de financiamento a custos razoáveis, mesmo com a desvalorização do real; o aumento dos investimentos internos privados é inviável devido às altas taxas de juros que o governo considera intocáveis, sob o risco de criar condições para uma recidiva inflacionária.
Diante dessas dificuldades em estimular o crescimento através do aumento direto da demanda agregada, é necessário considerar a possibilidade de iniciar o processo de crescimento econômico por meio da redução de juros e impostos.
A experiência internacional mostra que o sucesso de outras desvalorizações cambiais requer a redução das taxas de juros.
A redução dos impostos requer uma explicação mais detalhada. Essa medida, além de aumentar a renda disponível dos consumidores, poderia estimular a oferta agregada por meio da redução dos custos de produção. No entanto, essa medida poderia agravar o déficit das finanças públicas e dificultar o ajuste fiscal necessário.
Para ser uma política viável de estímulo ao crescimento e, ao mesmo tempo, permitir a continuidade do ajuste, é necessário que a redução de impostos alcance três objetivos simultaneamente: a) reduzir os impostos dos atuais contribuintes; b) expandir a base tributária de modo a compensar a perda de receita causada pela redução de impostos para os atuais contribuintes; e, c) se necessário, aumentar a carga tributária total.
Propõe-se reduzir impostos enquanto aumenta a arrecadação. O que parece ser uma contradição torna-se viável se for possível desonerar a economia formal, que atualmente é excessivamente tributada, e incorporar ao universo de contribuintes a economia informal e marginal, composta por sonegadores e praticantes das mais variadas formas de evasão fiscal. Em outras palavras, uma reforma tributária de emergência é necessária, capaz de arrecadar mais enquanto tributa menos.
Isso pode ser alcançado por meio de uma mudança qualitativa na atual estrutura tributária brasileira. Os impostos declaratórios, suscetíveis a forte sonegação e evasão, devem ser substituídos, na medida do possível, por impostos não declaratórios. Essa estrutura tributária deve dar prioridade a: a) impostos sobre propriedade cobrados por meio de lançamento, não por meio de declaração, sobre bens móveis ou imóveis; b) impostos seletivos (excise taxes) sobre bens com características econômicas semelhantes a cigarros, telecomunicações, energia, combustíveis, veículos, etc.; e c) um imposto sobre transações financeiras.
No entanto, é importante destacar que o aumento desses impostos deve ocorrer ao mesmo tempo em que são reduzidos impostos como o ICMS, o ISS, o IPI e, principalmente, as contribuições previdenciárias. A redução dessas contribuições também teria o benefício adicional de estimular o emprego.
No curto prazo, aumentar os impostos seletivos pode ser arriscado, pois produtos como combustíveis, energia e telecomunicações desempenham um papel significativo na matriz industrial brasileira e podem levar a riscos inflacionários.
Por outro lado, a experiência com o imposto sobre transações financeiras tem demonstrado sua robustez arrecadatória, com custos operacionais insignificantes. Por ser difícil de sonegar, permite uma incidência universal. Além disso, não causa trauma para o contribuinte. Isso destaca sua maior equidade e justiça social em comparação com os impostos progressivos tradicionais. Como afirmou Mário Henrique Simonsen, o imposto mais injusto é aquele que pode ser sonegado. Essa posição é confirmada em um artigo de Maria da Conceição Tavares, que argumenta que o imposto sobre transações financeiras é mais justo e tem maior capacidade de redistribuição do que os impostos progressivos clássicos.
A reforma tributária de emergência proposta aqui estimularia o crescimento econômico e ajudaria a sair do impasse em que a economia brasileira se encontra atualmente.
Além disso, abriria espaço para uma discussão mais ampla e aprofundada sobre a reforma tributária definitiva, em vez de tentar resolvê-la às pressas, como pretende o governo.