O substitutivo do relator, deputado Mussa Demes, foi entregue à missão de Reforma Tributária. Ele mantém os tributos declaratórios sob novas denominações, embora em menor quantidade. Cria o Imposto sobre Valor Agregado, IVA (um novo ICMS), com alíquota formada por uma parte federal e outra estadual, para substituir a arrecadação de tributos federais (IPI, PIS, Cofins, CSLL e CPMF) e estaduais (ICMS), que elimina. No âmbito municipal, substitui o ISS pelo Imposto de Vendas a Varejo (IVV).
Sem abordar as brechas inerentes aos impostos declaratórios, que são focos de sonegação, evasão e corrupção, típicos do sistema tributário atual, essa estrutura tributária aumenta os custos de declaração dos impostos devidos e de sua fiscalização em nível federal, estadual e municipal, bem como para as empresas. Além disso, a alíquota do IVA (novo ICMS) de até 24% (atualmente em média de 15%) será aplicada indiscriminadamente a todas as atividades industriais, comerciais e de prestação de serviços, predominantemente às duas primeiras. As operações internas nos estados terão duas alíquotas, uma estadual e outra federal. Nas transações interestaduais, a alíquota estadual será zerada, e seu valor será somado à alíquota federal.
Isso resulta em um aumento efetivo da carga tributária, com uma distribuição desigual nos setores de atividade. Isso ocorre porque, no projeto do relator, os débitos e os créditos estaduais e federais de IVA não se comunicam. Isso cria um problema técnico grave, levando empresas envolvidas em atividades de compra e venda dentro e fora de seus estados de origem a acumularem créditos com a União sem débitos em seus estados, sem créditos equivalentes, e vice-versa, resultando em um aumento significativo de sua carga tributária.
Outra grave desvantagem da proposta do relator é o IVV no lugar do ISS no âmbito municipal. Além de ser um imposto declaratório, parece conter uma armadilha potencial para os municípios em termos de perda de arrecadação, uma vez que tenta abranger milhões de pequenos estabelecimentos varejistas, impondo-lhes novos custos de administração tributária, retirando capital de giro e incentivando a sonegação. Isso resulta em altos custos de administração e fiscalização para os municípios em um imposto no qual não têm experiência, criando assim um novo foco de sonegação, evasão e corrupção.
Mas vale a pena destacar as distorções setoriais na distribuição da carga tributária. Vamos considerar três cenários:
Uma empresa prestadora de serviços que atua no mercado interno de seu estado, com mão-de-obra no valor de R$ 1.200,00, outros fatores no valor de R$ 200,00 e vendas de R$ 2.000,00. Pela estrutura atual, ela pagaria impostos no valor de R$ 160,60 (PIS, Cofins, CPMF e ISS). Pela proposta do relator, ela pagaria R$ 350,00, um aumento de 118% em sua carga fiscal.
Uma empresa comercial que compra R$ 1.000,00 em bens e os vende por R$ 2.000,00. Se ela comprar e vender internamente em seu estado, na estrutura atual, ela pagaria R$ 320,60 em impostos (PIS, Cofins, CPMF e ICMS). Pela proposta do relator, ela pagaria R$ 380,00, um aumento de 18,5% em sua carga tributária. Se comprar internamente e vender em outro estado, na situação atual, ela pagaria R$ 140,60 em impostos, enquanto pela proposta do relator, pagaria R$ 460,00, um aumento de 227,2%.
Uma empresa industrial que compra insumos no valor de R$ 1.500,00 e vende bens por R$ 2.000,00. A carga tributária dependeria principalmente da alíquota do IPI. Se a alíquota for de 4,0%, na estrutura atual, ela pagaria R$ 190,60. Pela proposta do relator, ela pagaria R$ 195,00, um aumento de 2,3%. Se a alíquota do IPI for de 10%, na estrutura atual, ela pagaria R$ 220,60, enquanto pela proposta do relator, pagaria os mesmos R$ 195,00, representando uma redução de 11,6%.
Observa-se que o setor industrial é o único que se beneficia com uma redução na carga tributária na proposta do relator. Isso pode explicar por que as entidades de classe desse setor apoiam o cerne da proposta do relator e argumentam que alterar tudo na reforma é prejudicial ao Brasil.
Em resumo, após cerca de cinco anos de discussões, a reforma tributária proposta mantém os velhos impostos sob novos nomes, cria discriminação setorial com uma carga fiscal efetiva mais pesada que incentiva a sonegação e a informalidade. É um aleijão tributário.
Marcos Cintra
Doutor em Economia pela Universidade de Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getúlio Vargas. É presidente do PL/SP e deputado Federal por São Paulo.