A administração pública brasileira tem um vício de comportamento incorrigível: o de acreditar que toda vez que surge um problema de falta de dinheiro — e isso sempre ocorre porque as necessidades são sempre superiores aos meios disponíveis para atendê-las — a solução é aumentar impostos. No Brasil, apenas quando esse caminho se mostra absolutamente inviável é que se começa a explorar outras alternativas, como corte de gastos, redução dos desperdícios e da corrupção ou aumento da produtividade. Curiosamente, outros países mais respeitadores dos direitos de seus cidadãos fazem exatamente o oposto. Aumentar impostos é uma providência à qual se recorre apenas em casos de extrema gravidade e de ausência de alternativas.
Igualmente curioso é que, no Brasil, as decisões de aumentar a arrecadação de impostos sempre ocorrem embaladas no clamor dos grandes, e muitas vezes legítimos, anseios populares. Com isso, o governo consegue camuflar sua sanha arrecadatória. Hoje, vivemos no Brasil casos desse tipo. A discussão acerca do combate à pobreza e do aumento do salário mínimo já desembocou na decisão de elevar a carga tributária. A política de combate à pobreza fica, assim, reduzida a elementos simplórios, como a criação de novos tributos para financiar atividades meritórias capazes de atenuar os efeitos e remover as causas da miséria. Os novos recursos tributários tirados do contribuinte, amolecido pelos discursos caridosos e bem-intencionados das causas nobres, acabarão sendo uma fonte, como qualquer outra, para cobrir o conjunto das despesas orçamentárias. Trata-se de um mero problema fiscal, e a nova moda de casar elementos de despesa com suas próprias fontes de recursos torna mais difícil de resolver.
Durante muito tempo se combateram ferren-tamente as vinculações orçamentárias, que agora voltam envolvidas numa falsa auréola de responsabilidade. O mais notável é a brutal elevação em 50% da carga tributária nos últimos dez anos, que ocorreu sem que o contribuinte tivesse sido consultado. Os aumentos ocorreram de forma isolada e pontual, através de leis, decretos e portarias que atenderam a necessidades e problemas específicos. A discussão aconteceu de forma desfocada do ponto de vista macroeconômico. O cidadão-contribuinte não foi consultado sobre o modelo tributário que se construiu silenciosamente. A diversificada e complexa estrutura tributária brasileira enfraquece as resistências dos cidadãos, pois as alterações ou abusos tributários ocorrem em vários "fronts", desviando a atenção dos contribuintes e dividindo e diluindo a força de suas reclamações. Devemos, portanto, estar preparados para mais uma escalada tributária. Enquanto a reforma tributária dormita nas gavetas do Congresso Nacional, o governo se prepara para aumentar sua taxa de extração. O combate à pobreza é usado para justificar a implantação do novo imposto sobre grandes fortunas, o adicional sobre a CPMF, o aumento do IPI, entre outros.
Os defensores do aumento do salário mínimo endossam a bitributação dos fundos de pensão, a eliminação das deduções do Imposto de Renda das pessoas físicas, a incidência do IR e da CSSL sobre os lucros capitalizados das empresas, um nebuloso "imposto de solidariedade", a quebra das garantias dos contribuintes, como a abertura de seu sigilo fiscal e bancário, e a criação de misteriosas cláusulas de combate à elisão fiscal. É provável que boa parte dessas propostas acabe sendo implantada, e que perdure independentemente do sucesso ou até mesmo da cessação dos programas que lhe deram origem.
O que nossos estadistas se esquecem é que a história mundial nos mostra que a questão tributária é a matriz de sérios e dramáticos conflitos sociais. Apenas para mencionar dois dos mais conhecidos, a Guerra da independência Americana e a Inconfidência Mineira tiveram origem no uso abusivo do poder impositivo tributário dos governos da época. Vale lembrar também que, como apontado pelo professor Alberto Alesina, da Universidade de Harvard, o sucesso da política fiscal depende da qualidade dos instrumentos usados. Os países que fizeram ajustes fiscais cortando despesas e ineficiências têm maior chance de dar início a uma trajetória de estabilidade e crescimento do que os que optaram pelo simples aumento da carga tributária, sem as reformas estruturais que dariam perenidade aos ajustes pretendidos.
O Brasil, mais uma vez, corre o risco de optar pelo círculo vicioso da elevação tributária e, consequentemente, pela evasão, pela fuga para a informalidade, pela sonegação e pela corrupção, ao invés de buscar o círculo virtuoso da estabilidade de regras, da eficiência e do respeito pelo contribuinte.