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Marcos Cintra - Correio Braziliense

CPMF, barbárie tributária

Um fenômeno curioso ocorre no Brasil. Em vez de a população e a mídia defenderem a redução dos impostos, os membros mais importantes do governo, os líderes políticos e sindicais mais representativos, os maiores empresários, os jornais em seus editoriais e os âncoras em quase todas as rádios e televisões defendem veementemente a continuidade da cobrança da CPMF. Um tributo que tinha data para acabar é alvo de ruidosas manifestações pela sua continuidade.


Que fenômeno faria um imposto ser tão amado?


Uma explicação lisonjeira para o orgulho nacional seria que o brasileiro subitamente tivesse se imbuído de louvável responsabilidade cívica a ponto de exigir que o governo receba mais impostos para cumprir com suas obrigações sociais.


Mas há algo contraditório nesse fato. Como pode a população desejar a continuidade da cobrança de um imposto e ao mesmo tempo conviver com a enorme sonegação, tão típica da sociedade brasileira?


Há outra curiosidade a ser ressaltada nesse notável fenômeno social. O que faria o povo querer continuar pagando um imposto odiado, criticado e achincalhado a cada momento como sendo perverso, ineficiente, injusto e, a maior de todas as ofensas, "em cascata"?


Se a resposta vem da necessidade de fechar o Orçamento, por que não aumentar a alíquota de qualquer um dos elogiados tributos sobre valor agregado, do tipo ICMS ou IPI, em vez de se clamar veementemente por um tributo que vem sendo satanizado pelos "experts" tributários a ponto de ser conhecido como sinônimo de ineficiência? Vou arriscar algumas explicações para esse paradoxo.


Uma primeira hipótese para justificar esse fenômeno de autoflagelo popular pode ser encontrada no fato de que, mesmo que a continuação da cobrança da CPMF não seja uma meta da sociedade, é com certeza um objetivo de governo. Para a administração, é certamente mais conveniente garantir a arrecadação adicional do que buscar maior eficiência ou reduzir despesas.


A forte influência do poder governamental na mídia, potencializado por suas ramificações financeiras e publicitárias, teria influenciado o povo a manifestar desejo de continuar pagando esse imposto, algo que, na realidade, não faria se agisse com maior espontaneidade.


Como o poder do setor público prepondera sobre a força do cidadão, o resultado é essa aparente contradição. Um fenômeno típico de condicionamento de opinião.


Uma justificativa complementar para a aceitação da CPMF pode ser encontrada no fato de que, apesar das críticas aos tributos cumulativos, a sociedade intuitivamente percebe que se trata de um tributo justo, que todos pagam, e que não recai preferencialmente sobre os que não podem se defender da sanha fiscalista do governo, como os assalariados ou as micros e pequenas empresas. Daí a complacência da sociedade com a CPMF.


Mas, mesmo que a sociedade prefira um tributo não-declaratório como a CPMF em vez dos impostos declaratórios sobre valor agregado, ainda não se explica por que o governo, os técnicos e as principais lideranças empresariais não aproveitam essa oportunidade para acabar de vez com a barbárie tributária dos impostos em cascata que tanto criticam, e não colocam simplesmente um IVA em seu lugar. Por que não acabam de vez com a cumulatividade tributária, como pretendem fazer com o PIS e a Cofins? Já que estão com a mão na massa, por que continuar arrecadando um tributo repudiado por eles mesmos, como a CPMF, em vez de instituir uma alíquota mais alta no novo PIS-Cofins não cumulativo?


No fundo, o governo, os técnicos e as lideranças empresariais já se convenceram de que um imposto cumulativo com alíquotas baixas é melhor que um imposto sobre valor agregado com alíquotas altas. Se assim não fosse, não haveria explicação plausível para a continuidade da CPMF, que, ao que tudo indica, veio para ficar.


 

Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, Deputado Federal pelo PFL/SP, é doutor em Economia pela Universidade de Harvard (EUA), Professor-Titular e Vice-Presidente da Fundação Getulio Vargas.

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