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Marcos Cintra - O Estado de S. Paulo

A questão da agricultura na Alca

EIS UM ITEM FUNDAMENTAL QUE O BRASIL DEVE IMPOR NAS NEGOCIAÇÕES.


O protecionismo americano é um dos maiores obstáculos a serem enfrentados na negociação da Alca. A tarifa média aplicada aos 15 principais produtos de exportação brasileiros para os EUA é de 46%, enquanto a tarifa média brasileira aplicada aos 15 principais produtos norte-americanos importados pelo Brasil é de 14%.


Se, por um lado, os grupos de interesses políticos e econômicos dentro dos EUA tornam as perspectivas de liberalização desses mercados menos plausíveis, por outro lado, é nesses setores onde se encontra o maior interesse comercial brasileiro. A remoção dessas prejudiciais práticas comerciais é um ponto central nas negociações comerciais brasileiras em todos os fóruns internacionais.


No Brasil, a produtividade média da produção de grãos praticamente dobrou em comparação a 1980, passando de cerca de 1,2 toneladas/ha para cerca de 2,6 toneladas/ha na virada do século. Isso demonstra que a produtividade brasileira é inigualável. Segundo a CNA, a soja poderia gerar mais US$ 4 bilhões em recursos adicionais na exportação se não fossem os subsídios nos EUA, que deprimem os preços internacionais.


Os americanos e a União Europeia gastam aproximadamente US$ 100 bilhões anuais em subsídios para a agricultura. Estimativas apontam que a Farm Bill de 2002 implicará em gastos de apoio interno e subsídios às exportações americanas de produtos agrícolas superiores a US$ 400 bilhões nos próximos dez anos. O apoio interno à produção europeia é de cerca de US$ 1 bilhão por dia. Nos EUA, cerca de 50% da renda agrícola provém de transferências governamentais.


Os impactos das medidas de apoio interno e dos subsídios à exportação agrícola no comércio internacional são enormes: desviam comércio, deprimem preços, aumentam o custo de vida para os consumidores e impedem a geração de renda e empregos nos países em desenvolvimento.


Além disso, o acesso aos mercados de produtos agrícolas em quase todo o mundo é limitado. A tarifa média de produtos agrícolas no mundo é de 62%, sendo que no Caribe é de 80% e na América Central é de 50%. Nos EUA (e também na União Europeia e no Japão), o comércio de produtos agrícolas também é limitado por barreiras tarifárias e não tarifárias (restrições sanitárias, trabalhistas e ambientais usadas para proteção doméstica). Nos EUA, há picos tarifários que atingem 40% no suco de laranja, 350% no fumo e 236% no açúcar. As salvaguardas contra o aço causarão perdas de cerca de US$ 1 bilhão em três anos. A carne bovina não é admitida por razões fitossanitárias, e os têxteis enfrentam cotas e tarifas ad valorem de 38%.


No Canadá, a tarifa para carnes de aves é de até 238%, e de 240% no México. Na União Europeia, a carne enfrenta barreiras tarifárias de 115%, o frango, de 47%, o açúcar, de 67%, e o fumo, de até 32%. E tudo isso além dos impactos negativos dos pesados subsídios internos. No Japão, o açúcar enfrenta tarifa de 118%, o couro, de 30% para as exportações fora da cota, e as frutas tropicais não têm acesso ao mercado japonês por alegações sanitárias. Mesmo assim, o Brasil continua conquistando mercados.


A garantia de acesso aos mercados agrícolas traria ganhos substanciais ao Brasil em todos os tabuleiros de negociações comerciais internacionais. Segundo um estudo da Camex, os ganhos do Brasil com a abertura dos mercados agrícolas nos EUA seriam significativos: entre US$ 480 milhões e US$ 2,88 bilhões no açúcar, entre US$ 375 milhões e US$ 2,2 bilhões no álcool, US$ 1 bilhão no suco de laranja, entre US$ 500 milhões e US$ 1 bilhão na carne bovina e US$ 1 bilhão na carne de frango.


Em realidade, o sistema harmonizado da OMC possui cerca de 10.000 posições tarifárias a serem negociadas em tratados de livre comércio. No entanto, as dificuldades são encontradas em apenas cerca de 500 posições, justamente aquelas consideradas "sensíveis" pelo TPA americano, e que implicam enormes dificuldades políticas para sua liberalização. Dessas, apenas umas 20 posições são consideradas cruciais para os interesses brasileiros, mas concentram grande parte da atual e da futura pauta de exportações brasileiras. Exemplos desses produtos "sensíveis" são carne bovina e ovina, laticínios em geral, açúcar e álcool, frutas, legumes e verduras, sucos, trigo, óleo de soja, amendoim, chocolates, derivados de café, fumo e algodão.


Comparando as tarifas entre os EUA e o Brasil, percebe-se claramente as diferenças. O Brasil possui 9.371 posições tarifárias, com uma tarifa média de 14,10%, uma tarifa mediana de 17% e uma tarifa máxima de 35%. Os EUA possuem 10.350 posições tarifárias, com uma média de 5,4%, uma mediana de 3% e uma tarifa máxima de 350%. Portanto, eles têm tarifas médias e medianas significativamente mais baixas do que as brasileiras. No entanto, são seus picos tarifários que fazem dos EUA um país fortemente protecionista, pelo menos do ponto de vista dos interesses brasileiros.


Marcos Jank afirma que "se, na média, a economia norte-americana é bem mais aberta que a brasileira, os EUA praticam, em contrapartida, picos tarifários pontuais que literalmente isolam do mercado um punhado de produtos sensíveis. Produtos que infelizmente têm importância estratégica para o Brasil e que poderão facilmente ser incluídos em listas de exceção pelos EUA se prevalecer a regra dos 85%". Vale notar que há uma regra não escrita da OMC que considera um acordo de livre comércio como cumprido se 85% dos produtos tiverem garantido livre acesso aos mercados.


Como se vê, a agricultura é um item fundamental que o Brasil deve insistir nas negociações. A Alca é um processo com riscos e oportunidades, e a questão agrícola é um dos elementos que mais podem gerar benefícios para o país e, portanto, deve estar necessariamente nas mesas de negociações.


Em resumo, a chave da Alca para o Brasil está na agricultura. O país deve centrar-se fortemente nessa questão para que sua adesão não se torne de fato indesejável.


 

Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, doutor em Economia pela Universidade de Harvard (EUA) e professor-titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas, é deputado federal (PFL-SP).

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