Duas condições, aparentemente contraditórias, devem ser atendidas para viabilizar a reforma tributária. A primeira é o governo não perder arrecadação. Teoricamente, seria desejável aumentar as receitas tributárias para obter o superávit primário necessário para evitar que a dívida pública aumente proporcionalmente ao PIB e para atacar a deterioração da credibilidade do país no tocante à sua capacidade de servir suas dívidas interna e externa. Portanto, na visão do governo, é essencial que a carga tributária permaneça constante ou que possa ser aumentada. Mas vale lembrar que a carga tributária já é excessiva, de 37% do PIB, uma marca só encontrada em países desenvolvidos. A segunda condição é não matar a galinha dos ovos de ouro. O ideal seria reduzir a carga tributária, gerando condições de estímulo à competitividade da produção nacional e de incremento da taxa de formação de capital. A excessiva carga tributária atual gerou elevada sonegação e evasão tributárias, criando um sistema onde os setores mais inseridos na economia formal são forçados a arcar com carga tributária insuportável, enquanto os setores informais e os sonegadores carregam custos tributários bem mais baixos que a média nacional. A solução óbvia para compatibilizar essas condições seria o crescimento econômico, que permitiria aumentar a arrecadação com redução do ônus tributário individual. Isso deveria ser possível sem aumento, ou mesmo com queda, da carga tributária em relação ao PIB. Infelizmente, não são essas as condições da economia brasileira atual. As alternativas convencionais de reforma tributária não são capazes de satisfazer simultaneamente às duas condições descritas acima. A Comissão Especial de Reforma Tributária da Câmara dos Deputados, CRT, produziu um texto que cria novos impostos e aumenta a alíquota de tributos existentes. Isso se tornou necessário para compensar a perda de arrecadação resultante da eliminação dos impostos "cumulativos", como PIS, CPMF e ISS, e também do ICMS e do IPI. Os tributos eliminados seriam substituídos por um novo imposto sobre valor agregado, IVA, cuja meta de arrecadação necessitaria de uma alíquota de entre 25% e 30% para garantir a manutenção dos atuais níveis de receita. O que os defensores dessa proposta não percebem é que não é na cumulatividade, mas na evasão de impostos, que se encontra o maior problema do sistema tributário atual. A elevação das alíquotas dos impostos declaratórios convencionais seria forte indutora do aumento da sonegação e do crescimento da economia informal.
MARCOS CINTRA, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas.