A reforma tributária concebida pelo Planalto traz soluções apenas paliativas para um sistema tributário caótico, injusto, que inibe o desenvolvimento e encoraja a sonegação fiscal. Os governadores, que esperavam receber propostas concretas e equânimes a serem examinadas, foram brindados com um verdadeiro impasse (que é o local de recolhimento do novo tributo unificado que substituirá o ICMs), se na origem ou no destino, agravado ainda mais pela má vontade dos estados ricos em acabarem com a guerra fiscal, hoje por eles utilizado como eficaz instrumento de mercado. Isso é prova de que o governo desconhece em profundidade o assunto. Daí não resultam posições definidas que permitam discutir saídas que não sejam as surradas soluções maquiadas que em nada contribuirão para a modernização do sistema tributário brasileiro. A tributação sobre movimentação financeira, introduzida primeiramente como um imposto provisório (IPMF) nos anos 1993/94 e depois como uma contribuição provisória (CPMF) a partir de 1997, lançou em nosso ordenamento tributário uma figura que dificilmente será extinta no futuro. O Brasil vem realizando, com enorme sucesso, a mais longa e mais abrangente experiência em todo o mundo com esse tipo de tributação. A crítica contra o imposto único vem sendo centrada em dois aspectos. Em primeiro lugar, ao ineditismo da CPMF. Usa-se argumento liminar contrário à proposta de introdução de um imposto sobre movimentação financeira para substituir grande parte dos atuais impostos e contribuições federais: o de que nenhum outro país o utiliza. Trata-se da mais atual generalização, ainda que invertida, do jocoso argumento de que "o que é bom para os Estados Unidos será bom para o Brasil". Ou seja, se o IMF não existe em outros países, deve ser ruim para o Brasil. Entretanto, a experiência brasileira desmascarou esse sofisma. O Brasil possui duas características que explicam o sucesso da CPMF: a presença de informatização bancária sofisticada, com um sistema de compensação em tempo real, inexistente em outro país. Devemos lembrar que o processo de automação da entrega de declarações do Imposto de Renda operado pelo governo brasileiro é a melhor do mundo, muito superior ao dos EUA. Em segundo lugar, o país possui uma característica culturalmente adquirida de ser uma economia que, por força da longa hiperinflação do passado, expulsou a moeda manual, substituindo-a pela moeda escritural. Para concluir pela inviabilidade do Imposto Único, é utilizado o argumento de que seria necessária uma alíquota de 7% para gerar a atual carga tributária global, que teria de ser aumentada para 10% no caso de desoneração das exportações. Cumpre afirmar não fazer sentido que a alíquota de um imposto único tenha de ser aumentada em quase 50% para compensar a perda de uma parcela de sua base impositiva que corresponde a cerca de apenas 10% do PIB. Além disso, essa crítica é irrelevante, já que a proposta do Imposto Unico em debate prende-se apenas à eliminação de tributos federais, não atingindo os estaduais e municipais. Pretende-se a eliminação dos seguintes impostos: o IRPF, o IRPJ, o INSS patronal, a Cofins, o IPI, a CPMF, a CSLL, o IOF, o Salário-Educação, o ITR e as contribuições ao Sistema. É preciso levar em conta que a base tributária de um imposto único será muitas vezes maior do que a base da atual CPMF, somada ainda a eliminação das atuais isenções e imunidades — o IUF seria universal. Pode-se afirmar que a alíquota necessária para manter a receita dos tributos a serem extintos, cerca de 16% do PIB em 2000, é de 3,4% (1,7% em cada débito e crédito bancários). Vale lembrar que, em 2002, os mesmos tributos arrecadaram mais de 18% do PIB, o que exigiria uma alíquota um pouco acima da estimada em 2000 para que a receita do governo permaneça inalterada. Creio que será melhor um tributo cumulativo com alíquota de 7%, estimada pelos opositores da ideia em 3,5% nos débitos e nos créditos bancários. Se ambas as alternativas geram uma mesma arrecadação, a tributação sobre movimentação financeira teria a vantagem de ser insonegável, simples abarata.
- Marcos Cintra - Correio Braziliense