A adoção da política econômica fortemente contracionista nos últimos anos encontra justificativa na cruzada contra a inflação empreendida com fervor por toda a sociedade brasileira. Contudo, em nome da busca da estabilidade a qualquer preço, têm-se acobertado verdadeiros disparates.
Sabe-se que as expectativas inflacionárias, rigidamente monitoradas pelo Banco Central, determinam o nível das taxas de juros e, consequentemente, a evolução da dívida pública e do crescimento do PIB.
Mas o que determina a expectativa inflacionária?
Há fatores objetivos, como surtos de demanda e choques de oferta; há também fatores de efeito psicológico, como a conjuntura internacional e as incertezas políticas.
No Brasil, no entanto, um determinante decisivo das expectativas inflacionárias é a indexação, ou seja, o efeito da inflação passada na determinação dos preços correntes e futuros.
No governo passado, deu-se início ao necessário processo de privatização de inúmeras atividades que estavam em mãos do setor público. Mas, diante da inexorável meta de estabilidade, o governo permitiu que as metas de ajuste fiscal tivessem precedência sobre o ajuste estrutural. A privatização acabou sendo uma forma de obtenção rápida de recursos para gerar superávits fiscais. Nos contratos de privatização, o governo deixou prevalecer o paternalismo estatal sobre a eficiência competitiva privada.
Em nome do equilíbrio orçamentário, o governo assinou contratos de privatização com indexação de preços. Garantiu, assim, a rentabilidade dos investidores, tanto internos quanto externos, fazendo tábula rasa dos riscos empresariais típicos de empreendimentos do setor privado. Vendeu concessões quase monopolísticas, sabendo que caberia ao consumidor o ônus de ser o garantidor dos lucros das empresas, ainda que, em geral (mas nem sempre), a qualidade e a disponibilidade dos serviços tivessem sofrido sensíveis melhorias.
O ministro das Comunicações, Miro Teixeira, tem se colocado contra os aumentos nos preços da telefonia. Mesmo sabendo que os contratos prevêem tais reajustes, ele alega tratar-se de abuso contra os consumidores. Essa postura tem lhe valido acusações de demagogia e de ser o responsável pela queda nos investimentos do setor.
O Banco Central mostrou em recente estudo que entre 1995 e 2002, a inflação medida pelo IPCA foi de 90,78%, ao passo que os preços administrados pelo governo subiram 203,04%. Neste período, as tarifas telefônicas subiram 509,7%, o gás de cozinha, 452,4%, e a gasolina, 223,1%. Ademais, os reajustes autorizados ao longo do primeiro semestre do ano, inclusive o polêmico reajuste médio da telefonia de 28,75% anunciado pela Anatel no final de junho e a elevação dos pedágios em mais de 24% nos últimos 12 meses, vêm causando enorme impacto no nível de preços ao consumidor.
O resultado desse processo é que, após o Plano Real, os preços administrados pelo governo foram responsáveis por 50% da inflação do período. Se a taxa inflacionária tivesse sido a metade do que foi, os juros poderiam ter sido mais baixos, a dívida pública poderia ter sido menor relativamente ao PIB, os investimentos teriam sido estimulados e o crescimento da renda e do emprego não teriam sido tão modestos como foram. Será, então, que o ministro Miro Teixeira está mesmo errado?
Governos têm um vício incurável. São costumeiros transgressores das regras que eles mesmos criam. E o que ocorre com a indexação de preços. Satanizada para contratos particulares, foi escandalosamente utilizada pelas autoridades na venda das empresas públicas com o intuito de aumentar os lances nos leilões de privatização. A estratégia logrou sucesso. Foram mais de US$ 22 bilhões nas teles, com ágios estrondosos para ajudar na geração dos superávits primários. Mas a conta começa a ser paga agora, pois, apesar da firme defesa das regras de mercado, o governo não resistiu à tentação de gerar uma forma de capitalismo controlado e com lucros garantidos.
É contra isso que o ministro Miro Teixeira está alertando a sociedade brasileira, sem falar nas suspeitas de irregularidades no processo de privatização que ele vem apontando.
Os dados no quadro nesta página mostram que o grande responsável pela inflação observada recentemente é quase exclusivamente o segmento de preços administrados pelo governo. Vergonhosamente, o governo impõe aos consumidores os efeitos perniciosos da indexação de preços, mas não adota os mesmos princípios para os setores que administra.
A quem interessa? A quem favoreceu? Essa pergunta fica no ar. Para controlar a inflação que ele próprio vem gerando, o governo impõe sacrifícios absurdos à sociedade inocente.
Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, 57 anos, doutor pela Universidade Harvard, professor titular e vice-presidente da FGV, é secretário das Finanças de São Bernardo do Campo e autor de "A Verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.