Algumas propostas têm sido apresentadas ao governo como alternativas para a atual política econômica, entre elas a redução acelerada dos juros, a renegociação da dívida pública, a depreciação acentuada do câmbio e o afrouxamento do superávit primário. Em artigos anteriores, procurei avaliar a consistência dessas medidas. Todas, se adotadas isoladamente, propiciariam algum crescimento econômico, mas não seriam capazes de, concomitantemente, preservar a integridade do "triângulo intocável", ou seja, controlar a inflação, reduzir o endividamento público e manter o equilíbrio do balanço de pagamentos. Se, isoladamente, tais medidas podem causar efeitos colaterais indesejáveis, poderia uma combinação delas gerar crescimento com equilíbrio do "triângulo"? A conclusão, ilustrada na tabela nesta página, é que a adoção combinada dessas ações não teria efeito benéfico significativo na relação dívida/PIB; seria péssimo para o controle da inflação, uma vez que todas as medidas pressionariam o nível geral de preços; e o balanço de pagamentos sofreria deterioração acentuada. Qual seria, então, a saída? O texto da "Carta do Ibre", publicado na "Conjuntura Econômica" do mês passado, indica o caminho. "A experiência internacional mostra que a estabilidade macroeconômica, embora seja fundamental para o crescimento sustentado, não é condição suficiente... Crescimento sustentado é um fenômeno microeconômico, ligado aos incentivos econômicos que estimulam o trabalho, a acumulação de fatores de produção e o empreendedorismo." O Ibre conclui sua análise afirmando que "não se obteve o ajuste fiscal por intermédio do sadio corte de despesas correntes... mas pela nefasta exação tributária que elevou a carga a 36% do PIB. Esse é o nó górdio a ser desatado pela sociedade brasileira". A ação fundamental para colocar o país na rota do crescimento sustentável de longo prazo reside no âmbito tributário. A reforma tributária sadia deve ter como diretrizes a simplificação; a expansão do universo de contribuintes; a redução dos custos tributários para os trabalhadores, empresas e o poder público; e o combate à sonegação, à evasão e à informalidade. A urgente necessidade de uma reforma tributária foi percebida no início dos anos 90. Mas, enquanto o Congresso e a sociedade discutiam alternativas, sorrateiramente o governo programou medidas pontuais de caráter meramente arrecadatório. O que era ruim foi ficando cada vez pior, a exemplo da desastrosa reforma efetuada no PISCofins. Mas qual seria a reforma tributária que atenderia as diretrizes necessárias para um sistema de arrecadação de impostos que estimule o crescimento de longo prazo? O Imposto Único é a alternativa que se mostra capaz de atender a tal demanda. A adoção dessa sistemática teria efeito positivo sobre a produção, sobre o emprego e combateria a informalidade, a evasão e a sonegação. Sua automaticidade reduziria os custos administrativos para o governo e para as empresas. Em simulação utilizando a matriz insumoproduto do IBGE, a substituição do ICMS, do IPI, do INSS patronal e do ISS por um imposto sobre a movimentação financeira com alíquota de 2,65% incidindo sobre o débito e o crédito de cada lançamento bancário reduziria a carga tributária para o setor produtivo em mais de 60%, mesmo sem considerar o peso dos demais tributos que incidem sobra a produção. A desoneração dos rendimentos do trabalho estimularia a expansão do mercado interno, além do aumento do poder aquisitivo dos salários causado pela redução dos custos de produção e dos preços. E qual seria o impacto do Imposto Único no equilíbrio do "triângulo intocável"? A redução da cunha fiscal nos custos de produção poderia recompor as margens de lucro do setor produtivo e alavancar os investimentos; e a menor carga de impostos sobre os salários elevaria a renda disponível, com efeito positivo sobre o mercado consumidor. O resultado seria o crescimento do PIB e a conseqüente queda na relação dívida/PIB. No tocante à inflação, a queda nos custos de produção faria cair o nível geral de preços. A estrutura de mercado em cada segmento produtivo ajustaria as margens de lucro e o nível dos salários nominais. Quanto ao balanço de pagamentos, o impacto seria positivo em razão da maior competitividade da produção nacional. Com melhoria do saldo das transações correntes, o país reduziria sua vulnerabilidade externa, reduzindo a necessidade de atração de financiamento externo e aumentando a atratividade do mercado brasileiro para os investimentos diretos internacionais. Uma reforma tributária nos moldes do Imposto Único é a única medida que pode efetivamente levar ao crescimento sustentado com redução na relação dívida/ PIB e com equilíbrio no balanço de pagamento e na inflação.
MARCOS CINTRA, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas.