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Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Imposto Único acaba com o caixa dois


A atual crise política e moral foi deflagrada a partir da descoberta de gigantesco caixa dois gerado no âmbito das empresas estatais e do setor privado. O tesoureiro do PT confessou que as campanhas de seu partido e dos da base aliada foram custeadas dessa forma e que "todos... fazem isso". Admite que há uma contabilidade oficial, apresentada à Justiça Eleitoral, e outra paralela, que não é oficializada, muito provavelmente por ser abastecida por recursos originários de contratos movidos por interesses inconfessáveis de dirigentes de estatais, políticos e empresas privadas. A revelação pública acerca do nebuloso mundo no qual viceja a política é um estímulo à reflexão sobre nossas esclerosadas instituições políticas e administrativas. No âmbito da reforma política, enumerei propostas em artigo publicado na Folha no último dia 2, sob o título "Tolerância zero na reforma política". Sugeri no texto algumas medidas que eliminariam vícios condenáveis que grassam na vida pública do país, como o financiamento exclusivamente público de campanhas, o voto distrital misto, a virtual eliminação dos cargos de livre provimento, salário zero, proibição de reeleições sucessivas a membros do Legislativo e a proibição de políticos eleitos assumirem cargos executivos. Infelizmente, a resposta do Senado ante o escabroso ambiente dentro do qual se desenvolve a política brasileira foi tímida. O projeto enviado à Câmara dos Deputados só tangencia os verdadeiros problemas a serem enfrentados e não vai à raiz da questão. Apenas se retirou o sofá da sala. Na esfera administrativo-financeira, é preciso instituir mecanismos que eliminem a funesta existência de caixa dois no país, para que assim se descontamine a relação promíscua entre políticos, sonegadores e o crime organizado. A medida que pode pôr fim ao caixa dois e à teia de corrupção que sustenta esse esquema é a adoção de sistema tributário baseado no Imposto Único sobre a movimentação financeira. Essa proposta já concluiu sua tramitação na Câmara e poderia ser votada de imediato no Congresso. Basta vontade política do presidente Severino Cavalcanti, que, em outras oportunidades, já demonstrou suficiente independência para atender aos reclamos da sociedade, ainda que em desacordo com os interesses do governo. A ideia consiste na substituição dos impostos declaratórios por um único tributo arrecadatório, que incidiria sobre as operações bancárias, como a CPMF. Esse sistema já registraria avanço no que tange à prevenção da corrupção praticada por agentes fazendários, pois as empresas e pessoas seriam tributadas de modo automático, eletrônico e instantâneo, quando liquidassem suas operações mercantis por meio do pagamento de suas despesas pelo sistema bancário. O uso de caixa dois pelos partidos e por empresas seria praticamente eliminado pelo Imposto Único. Para ter uma ideia, estima-se que apenas nas empresas privadas essa prática movimente mais de R$ 1 trilhão por ano. A implantação do Imposto Único e, consequentemente, o fim do caixa dois seriam acompanhados de um dispositivo que faria com que toda operação financeira até um certo limite somente teria validade jurídica caso fosse liquidada por meio do sistema bancário. Transferências de recursos e pagamentos em geral apenas seriam possíveis via contas bancárias. Assim, tributos seriam cobrados de modo automático, e qualquer indício de ato ilícito que levasse à quebra de sigilo bancário permitiria que se identificassem de modo rápido a origem e o destino dos recursos transacionados. Além disso, saques em espécie, como os verificados nos bancos BMG e Rural, seriam proibidos por lei ou tributados de forma punitiva a ponto de desestimular tal ação. É essencial, porém não basta, punir políticos, empresários e servidores que se locupletaram desviando recursos públicos e infringiram a lei eleitoral com esquemas de caixa dois. É necessário criar dispositivos estruturais que inibam ações corruptas envolvendo dinheiro público. Não há como sanar os repugnantes vícios que maculam a atividade pública no Brasil sem a adoção de medidas corajosas, ousadas e tempestivas. Se a tradicional posição de tolerância e postergação prevalecer em mais esse momento da vida política brasileira, vai se perder, mais uma vez, a oportunidade de implantar mudanças institucionais efetivas. O resultado seria a perda do senso de urgência e a provável manutenção dos atuais padrões de comportamento da classe política brasileira e da lamentável tolerância dos eleitores brasileiros para com os políticos que elegem. Um sistema tributário baseado em imposto sobre a movimentação nos bancos se faz necessário como poderoso instrumento contra a corrupção. Se uma reforma política radical como propus é oportuna para mudar o comportamento dos políticos e fortalecer a democracia, o Imposto Único sobre a movimentação financeira seria poderoso freio operacional a impedir a continuidade do caixa dois e da corrupção, cerceando-lhe os meios de pô-los em prática.

 
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