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Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

O começo e o fim

Deixo de escrever neste espaço porque passarei a integrar o secretariado do prefeito Gilberto Kassab.

O escritor italiano Cesare Pavese descreveu com exatidão um prazer que usufruí durante mais de cinco anos através desta coluna na Folha. Disse ele: "É bom escrever porque reúne duas alegrias: falar sozinho e falar a uma multidão". Esse prazer, infelizmente, será interrompido, ainda que por efeito de outra grande satisfação: a de servir ao governo de minha cidade na condição de auxiliar direto do prefeito Gilberto Kassab, que me honrou com o convite para ser seu secretário. Pelas regras editoriais da Folha, detentores de cargos no Poder Executivo não podem manter colunas fixas no jornal. Portanto aproveito este espaço, e do qual abuso pela última vez, para agradecer a meus estimulantes editores e a meus tolerantes leitores. Nunca tive a pretensão de ensinar, mas tenho absoluta certeza de que o exercício periódico de ser um comentarista econômico me fez aprender bastante, ainda que muito menos do que o necessário para me igualar aos fantásticos economistas que, ao longo dos anos, dividiram comigo este espaço privilegiado. Foram mais de uma centena de artigos sobre os mais variados assuntos. Falei sozinho, e com todos, sobre política, sobre erros e acertos de vários governos, e sobre a teoria e a prática da lúgubre ciência, a economia ("the dismal science"). Mas desejo sair de cena reafirmando minha crença inabalável no bom senso que um dia irá prevalecer na questão tributária, com a aprovação do Imposto Único sobre Transações Financeiras. Foi o tema que representou, para mim, a alegria da descoberta, ou a insolência da novidade, como o saudoso senador Roberto Campos o descreveu em um de seus memoráveis artigos nesta mesma Folha. A ousadia de enfrentar os velhos paradigmas tributários foi estimulada pelo inigualável suporte que recebi do saudoso publisher da Folha, Octavio Frias de Oliveira. Se me tornei um iconoclasta, penitenciado pela convicção do acerto da causa, foi em grande parte pela oportunidade proporcionada por esta coluna, que ele generosamente me ofereceu. E mais ainda pela reconfortante sensação de saber que um dos homens mais perspicazes e sinceros que conheci manifestou inúmeras vezes seu apoio à tese do Imposto Único que, preciso confessar, ele inspirou e ajudou a formular. Aproveito esta despedida para dizer que terminarei em breve mais um ciclo de reflexões e de pesquisas quantitativas sobre o Imposto Único, tese nascida na Folha através do artigo "Por uma revolução tributária", publicado em janeiro de 1990. Simulações sobre o impacto de diferentes modelos tributários na economia brasileira mostrarão irretorquivelmente que o mito da cumulatividade e de seus malefícios precisa ser repensado com maturidade e espírito crítico.

E que urge reconsiderar o preconceito nascido entre nós contra a tributação sobre movimentação financeira, que Vito Tanzi, um dos maiores tributaristas do mundo, considerou como uma das duas grandes inovações tecnológicas tributárias ocorridas no século passado. Espero que este novo esforço para romper as unanimidades fáceis e popularescas acerca da questão tributária brasileira seja repercutido nas páginas deste mesmo jornal que vem me acolhendo com tanta fidalguia, em diferentes condições, desde 1983. Valeu.

 

MARCOS CINTRA, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas.​

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