O estoque de crédito no Brasil bateu recorde ao atingir R$ 1,2 trilhão em dezembro do ano passado, volume equivalente a 41,3% do Produto Interno Bruto (PIB). O dado pode dar a impressão de que o País está passando incólume pela crise e pela contração de crédito que assola o planeta, mas uma análise mais detalhada mostra que a média diária de recursos concedidos no final do ano passado revela uma preocupante tendência de queda.
A comparação de dezembro de 2008 com o mesmo mês de 2007 mostra uma queda de 8% na média diária de empréstimos para as pessoas físicas, decorrente do decréscimo de 56% nos recursos para financiamento de veículos e de 29% no crédito pessoal. Outro lado preocupante é a elevação de 8% no valor das Operações com cheque especial, utilizado emergencialmente em momentos de escassez de crédito regular, e cuja taxa de juros passou de 138% ao ano para 175% ao ano no período. O custo, que já era exorbitante em tempos normais, tornou-se potencialmente fatal na angústia de um aperto de caixa. Vale citar ainda que o montante para financiamento de cartão de crédito aumentou 29% no mesmo período e que essa linha cobra juros que hoje ultrapassam o patamar escandaloso de 420% ao ano.
No caso das empresas, a média diária do montante das concessões nos meses de janeiro a outubro de 2008, comparativamente ao mesmo mês de 2007, crescia em torno de 17%. Em novembro, o aumento foi de 1,6% e em dezembro de 1,7%. Na comparação de dezembro de 2008 com dezembro de 2007, as concessões diárias que mais caíram para as empresas foram os repasses externos (-73%) e para a aquisição de bens (-58%). O aumento ocorreu no capital de giro (+35%), uma linha de crédito cujas taxas de juros passaram de 28% ao ano para 38% ao ano no período.
Não é a falta de liquidez que justifica essa situação de contração no crédito, mas sim as incertezas na economia mundial, que exigem agora dos bancos um comportamento mais prudente que faltou ao longo da euforia e irresponsabilidade dos anos anteriores. O crédito ficou mais caro e seletivo. Setores como o pequeno e médio comércio varejista, grande absorvedor de mão de obra, encontram dificuldades para obter recursos nos bancos. Isso vai pressionar seu capital de giro e inviabilizar o financiamento das vendas e a reposição de estoques. Esse setor pode ser atingido em cheio em suas atividades e gerar demissões acima do normal.
Estes fatos mostram que o quadro é grave e os problemas podem se aprofundar. O setor financeiro privado não parece estar respondendo proporcionalmente ao aumento da liquidez oferecido pelas autoridades monetárias. Nesse quadro emergencial, só há uma alternativa viável para elevar o crédito e reduzir seu custo: a atuação mais agressiva dos bancos públicos na oferta de crédito, além do que já vem sendo feito. Em dezembro de 2008, comparativamente a dezembro de 2007, o crédito em relação ao PIB das instituições públicas saltou de 11,7% para 15%, enquanto os bancos privados nacionais aumentaram a participação de 15% para 17,7%. Porém, o Banco do Brasil (BB), o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Caixa Econômica Federal (CEF) devem ser mais audaciosos e desempenhar um papel mais próximo do que o Federal Reserve Board (Fed) vem desenvolvendo no mercado dos Estados Unidos.
Se atuarem como bancos privados, BB, BNDES e CEF não justificariam sua existência. Se atuarem seguindo os mesmos princípios dos bancos privados, não haverá qualquer justificativa para sua existência. Se a lógica dos bancos estatais não for a de fornecer instrumentos de execução da política governamental de investimentos, não haveria razão para mantê-los sob controle do governo. Os bancos estatais devem preencher o espaço vazio deixado pelos bancos privados até que a confiança seja reconquistada e as linhas externas de crédito sejam restabelecidas. A liquidez adicional gerada pela redução dos depósitos compulsórios não está chegando aos tomadores de crédito no volume desejável. Os bancos estatais poderiam, prioritariamente, utilizar esses recursos para reforçar as linhas de crédito e reduzir os elevados spreads bancários. Trata-se de uma situação de emergência que, se enfrentada adequadamente, poderia minimizar a retração da atividade econômica e manter milhões de empregos.