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Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

Avanços e recuos da PEC 241

A contenção dos gastos públicos, instituída pela PEC 241, tem sofrido críticas por parte de grupos que temem perder os nacos orçamentários que controlam ou que acreditam que os serviços públicos essenciais serão prejudicados.

De fato, há que reconhecer que a medida é draconiana e resulta da extrema dificuldade encontrada na sociedade brasileira para cortar gastos públicos de forma negociada e menos impositiva. Por ser medida drástica, os ajustes não discriminam adequadamente as várias características dos gastos governamentais. Algumas rubricas orçamentárias exigem tratamento diferenciado. Ciência, tecnologia e inovação, por exemplo, são áreas portadoras de futuro. Medidas que signifiquem paralisação nessas atividades resultarão em defasagens competitivas que dificilmente serão recuperadas. Há diferença fundamental entre investimentos em ciência e tecnologia e gastos públicos convencionais. Cortes de gastos convencionais têm efeito semelhante ao de uma corrida em que a velocidade do atleta é reduzida, mas a linha de chegada continua à vista. Uma eventual re-acelaração do corredor é capaz de recuperar a defasagem causada pela perda momentânea de velocidade. Em ciência, tecnologia e inovação, o impacto é diferente. A corrida se dá em pista escorregadia e pedregosa, na qual a linha de chegada não é estática. Pelo contrário, ela se desloca rápida e permanentemente em direção imprevisível. Qualquer desaceleração do corredor pode fazê-lo perder de vista a linha de chegada, e a reaceleração dificilmente será capaz de recolocá-lo no pelotão de frente. A melhor alternativa para o necessário ajuste fiscal seria a imediata e seletiva redução dos gastos nominais. Contudo, como afirmei no artigo "A qualidade do ajuste fiscal", publicado nesta Folha em 2015, cortar gastos é medida de extrema dificuldade no Brasil. As peculiaridades orçamentárias de nossa sociedade relegam a segundo plano a rotineira avaliação de programas e projetos públicos. Sem isso, faltam critérios para decidir sobre sua continuidade, paralisação ou adequação. O processo orçamentário brasileiro é incremental. Nesse sistema as propostas para exercícios futuros tomam como referência as ações do exercício em curso. A prática adota como premissa que os programas em execução são autojustificáveis pelo fato de já existirem. O processo orçamentário anual interfere apenas em decisões marginais de acréscimos ou de reduções. Os orçamentos tornam-se rígidos, inflexíveis e com frequentes vinculações obrigatórias. A instituição de um limite para os gastos totais, como faz a PEC 241, irá impor a necessidade de melhorar a qualidade do dispêndio governamental. Mas isso só será possível com a liberação de recursos orçamentários mediante a redução ou eliminação dos programas de menor retorno. Nesse sentido, a PEC 241 poderá viabilizar, ainda que por meios tortuosos, uma importante inovação no campo das finanças públicas, o orçamento base-zero. A adoção do orçamento base-zero tornaria rotineira a saudável prática de avaliar e identificar programas e/ou atividades que poderiam ser extintos ou redimensionados. Essas dotações seriam canalizadas, total ou parcialmente, para promover o equilíbrio fiscal, custear outras despesas ou reduzir a dívida pública.

 

MARCOS CINTRA, doutor em economia pela Universidade Harvard (EUA), e professor titular da Fundação Getulio Vargas.


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