Mudar uma estrutura tributária, em regra, é tarefa demorada, que enfrenta resistências diversas — da burocracia pública, porque vai mexer em rotinas antigas, já consolidadas, assim como nos núcleos de poder nela instalados; na burocracia privada, pelo mesmo motivo, principalmente no que tange à consultoria tributária, cujos agentes, ademais, correm o risco de perder o trabalho e a renda proporcionados por uma grossa clientela, gerada nas armadilhas que o sistema atual coloca no caminho fiscal dos cidadãos; de empresários, receosos de serem mais intensamente atingidos pelo fisco, tirando a competitividade dos bens e serviços por eles produzidos ou prestados; dos governos municipais e estaduais, ciosos de preservar suas receitas; e do próprio governo federal, que teme também perder arrecadação e comprometer metas fiscais compromissadas.
Nesse quadro, labuta o relator da proposta de reforma tributária na Câmara, o que explica a lentidão com que a matéria caminha, bem como as dificuldades que vem encontrando para consolidar seu relatório, em forma e conteúdo. A marca do conservadorismo que permeia sua versão preliminar é fruto das pressões desencadeadas por aqueles interesses em perigo e da falta de empenho do governo em levar adiante uma reforma modernizante. Mas, aos poucos, o deputado Mussa Demes vem encontrando formas de incorporar medidas que abranjam a redução do número de tributos, associadas à eliminação de impostos declaratórios. O exemplo está no imposto seletivo sobre combustíveis, para o qual evoluiu a taxação desses insumos. Um imposto único, unifásico, de alíquota ainda indefinida, cobrado de uma única vez na refinaria, poderá substituir cerca de 19 tributos que hoje em dia oneram o setor. A medida teve expressiva acolhida dos deputados na Comissão de Reforma Tributária. É um bom sinal. Apesar de arestas a aparar, cabe esperar que o conceito seja ampliado para energia, comunicações, veículos, fumo e bebidas.
Outro tributo que poderá vencer a reação dos opositores e sensibilizar os demais membros da comissão é o Imposto sobre Movimentação Financeira, o IMF, inspirado na proposta do Imposto Único e na bem-sucedida experiência da CPME. Com a vantagem de não se tratar de um imposto a mais e sim de eliminatório de seis impostos e contribuições, tais como ICMS, IPI, Cofins, CSLL, PIS e a contribuição patronal para a Previdência Social, recolhidos mediante declaração do valor devido. Como já se sabe, a principal característica dos impostos não declaratórios é serem arrecadados de maneira automática, informatizada, golpeando mortalmente a evasão e a sonegação. Além de serem de reduzido custo de arrecadação, desburocratizados e infensos à corrupção. Já admitidos pela própria Receita Federal, são tributos provados. Beneficiam tanto o lado da produção como o fiscal, por ensejar o desmonte da maior parte do aparato jurídico e burocrático que funciona nas empresas e nos governos.
Mas a reforma tributária ainda terá que vencer aquela citada série de embaraços. A começar por atos do governo e seu vezo de legislar sobre matéria tributária via medidas provisórias, como acaba de fazer, prorrogando a vigência da cobrança da CSLL com alíquota de 12% até o final do ano 2002. Note-se que ela deveria vigorar até o final deste ano. São expedientes desse tipo que confirmam o desinteresse do governo federal na reforma, traduzido na interferência no processo com repetidas medidas tributárias pontuais paralelas, levadas ao Congresso. Com isso, tumultua os trabalhos da comissão, interfere na expectativa das empresas, nos seus planos de investimento e produção.
Mais um motivo para que o empenho dos membros da Comissão de Reforma Tributária produza uma proposta consistente, simplificadora e moderna, que seja duradoura. Afinal, regras estáveis constituem uma lacuna de que o país mais recente carece. Nessa direção, seria de todo desejável que o arcabouço do sistema tributário resultante da reforma incorporasse o imposto seletivo ampliado e o IMF, além de outras medidas modernizantes preconizadas na Proposta Alternativa, que pode ser consultada pela internet (www.marcoscintra.org), que sintetiza a minha contribuição e de um grupo de ex-deputados e deputados, comprometidos com uma revolução perfeitamente possível na estrutura tributária brasileira.
Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque é doutor em Economia pela Universidade de Harvard (EUA) e professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas.