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Marcos Cintra - Folha de S.Paulo

O triângulo intocável



A ÚLTIMA segunda-feira, o vice-presidente da República, José Alencar Gomes da Silva, reuniu em Brasília seu partido, o PL, para discutir como desmontar a armadilha na qual a economia brasileira se enredou.


Há que reconhecer que a política de estabilização adotada desde o Plano Real foi um sucesso. A estratégia adotada foi o uso da âncora cambial, conjugada com a necessária manutenção de altas taxas de juros reais.


Duas variáveis, inflação e endividamento, sintetizam com clareza a meta e os respectivos custos decorrentes da política de estabilização no Brasil. A queda da inflação acompanha a concomitante elevação do endividamento público. A estagnação e o desemprego são consequências imediatas dessa conjuntura.


As proclamações de esgotamento do atual modelo econômico afirmam que, apesar dos juros altos e do aperto fiscal, a dívida segue crescendo.


No primeiro trimestre deste ano, o superávit primário somou R$ 20,5 bilhões, ou 5,41% do PIB (Produto Interno Bruto). A meta acertada com o FMI para 2004 é de 4,25%.


Com os juros nominais elevados, definidos em razão do sistema de meta de inflação adotado em 1998, a obtenção dos superávits primários não tem sido suficiente para reduzir o endividamento público.


Em 2003, mesmo com um esforço fiscal da ordem de 4,3% do PIB, os juros nominais absorveram 8% do PIB. O déficit público no ano passado foi de 3,7% do Produto Interno Bruto. Logicamente, enquanto os desembolsos com juros nominais se posicionarem acima do superávit primário, o endividamento será crescente.


Para atender à necessidade de pagamento dos juros, as contas públicas brasileiras exigiriam um esforço fiscal colossal, impensável num cenário de crise acentuada como a que o país vive.


A experiência com o mecanismo do superávit primário tem se mostrado ineficiente para o país equilibrar suas contas públicas. A pressão sobre a já insuportável carga tributária promove uma brutal transferência de renda em favor do setor público, impedindo investimentos na produção ou em áreas sociais vitais para o desenvolvimento do capital humano.


Como reflexo desse complexo quadro estrutural, qualquer conjunto de políticas econômicas adotado em substituição à atual não pode estar dissociado de uma cuidadosa análise dos impactos em três variáveis-chave que condicionam a viabilidade de sua implementação: a recidiva inflacionária, a expansão do endividamento e a ameaça de uma crise cambial. Essas três variáveis formam um triângulo intocável, cuja integridade não pode ser ameaçada sob pena de agravar a fragilidade do atual quadro estrutural da economia brasileira ou até mesmo de pôr a perder todas as conquistas obtidas até o momento pelo Plano Real.


Feitas essas observações, é fácil perceber as razões pelas quais o país se encontra paralisado, quase inerte, ante a adoção de uma política de crescimento econômico. As opções usualmente apresentadas impactam negativamente pelo menos um desses três critérios de viabilidade, tornando a opção desaconselhável.


É possível identificar quatro propostas básicas de política de crescimento econômico: a redução dos juros, a renegociação da dívida, a depreciação da moeda nacional e a redução do superávit primário.


A redução dos juros é a proposta mais comum. Sua defesa vem acompanhada de críticas à estratégia gradualista adotada pelas autoridades econômicas. A renegociação da dívida já teve, no passado, defesa mais veemente do que se vê atualmente, mas o exemplo dado pela Argentina em seu recente entrevero com o FMI reacendeu o ânimo daqueles que propõem a adoção de políticas voluntaristas de redefinição de juros e prazos com os credores, internos e externos, da dívida pública.


A desvalorização mais acentuada do real busca nos mercados externos um substituto para o debilitado mercado interno, vítima da recessão e da retração do poder aquisitivo nacional. A redução do superávit primário vem sempre acompanhada de conotações nacionalistas, criticando os acordos com o FMI e buscando defender a adoção de uma política fiscal expansionista.


Variações e combinações dessas quatro linhas de política econômica são usualmente defendidas por empresários e analistas econômicos. Contudo, um simples exercício de análise de sensibilidade mostrará que a adoção de qualquer uma delas, isoladamente e na intensidade necessária para iniciar imediatamente um processo de crescimento econômico, afetará negativamente um dos três lados do triângulo crítico de viabilidade. Daí o impasse vivido pelo país.


Nos próximos artigos, neste mesmo espaço, analisaremos o impacto e a viabilidade dessas medidas de política econômica, confrontando-as com a necessidade inexorável de respeitar o triângulo intocável. Mas gostaria de antecipar um resultado que se tornará evidente.


As medidas que podem inverter o atual quadro de desalento encontram-se no âmbito tributário.


A reforma tributária ainda está por ser feita. A substituição gradual de tributos que incentivam a sonegação por um tributo sobre a movimentação financeira terá impacto sobre a atividade produtiva, com uma consequente redução no estoque da dívida pública. Uma reforma tributária baseada em tributos não-declaratórios, nos moldes da filosofia do imposto único, será a única alternativa para colocar o país em uma nova rota de crescimento econômico, mantendo absoluto respeito às condições impostas pelo triângulo intocável. É isso que veremos nos próximos artigos.


Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, 58 anos, doutor pela Universidade Harvard, professor titular e vice-presidente da FGV, foi deputado federal (1999-2003). Atualmente é secretário das Finanças de São Bernardo do Campo. É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna. Internet: www.marcoscintra.org E-mail: mcintra@marcoscintra.org.

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