Embora todos desejemos ser otimistas, não há como negar que o futuro do Plano Real está envolto em incertezas. Não se trata de vaticinar cenários desastrosos. Mas seria igual irresponsabilidade esconder as preocupações e ocultar as dificuldades que terão, mais cedo ou mais tarde, que ser enfrentadas.
O Plano Real não está consolidado. A inflação inercial foi, magistralmente, atacada pela introdução da URV e pela troca da moeda, realizadas no ano passado.
Mas o que se previa ter sido a primeira fase do programa de estabilização -as reformas estruturais da economia e do setor público- acabou não ocorrendo em 1993/94, como proposto, originalmente, pelo então ministro da economia Fernando Henrique Cardoso.
As fases seguintes foram implementadas, mesmo sem que os pré-requisitos estruturais tivessem sido atendidos. E na ausência da âncora estrutural, o governo não teve outra opção que a de lançar mão das âncoras cambial e de juros para segurar a inflação.
Os riscos dessa estratégia são conhecidos.
Em economias relativamente fechadas, como a brasileira, o uso da âncora cambial para combater o aumento dos preços internos exige dosagem cavalar tanto na valorização da moeda doméstica quanto na abertura comercial. Contudo, essa estratégia tem efeitos secundários perigosos.
Há sete meses o país sofre de brutal reversão em sua conta comercial. Nesse cenário, há necessidade de tratamento emergencial para atenuar suas contra-indicações, entre elas um desastre na balança de pagamentos. A droga aplicada foi a elevação dos juros internos, para financiar os déficits em conta corrente.
Por sua vez, esse tratamento causou outros desequilíbrios. O mais grave, sem dúvida, é a contração econômica e o resultante desemprego. Indesejável por si só, a recessão, que já avança por toda a economia brasileira, também contribui para o déficit público, não apenas por seu impacto negativo na arrecadação tributária, mas também pela elevação dos custos da dívida pública.
Em artigo na “Gazeta Mercantil”, neste fim-de-semana, o ex-presidente do Banco Central Antonio Lemgruber chama a atenção para a importância das variáveis fiscais no fenômeno inflacionário e diz que ``pode-se mesmo afirmar que a inflação é hoje considerada mais como um fenômeno fiscal do que monetário".
Nesse cenário, os fantasmas se manifestam. Apesar do controle dos gastos públicos federais, a arrecadação começa a fraquejar e a ameaça de desajuste fiscal volta a rondar o horizonte.
A recessão já vitimou a arrecadação de tributos como o IPI, a Cofins e o PIS. A arrecadação tributária da União aumentou em maio exclusivamente por força dos impostos recolhidos nas importações e nas declarações do Imposto de Renda. No mais, a retração da atividade econômica já se faz sentir na queda do recolhimento de tributos.
Em resumo, a âncora cambial e os juros altos fatalmente irão desembocar em crise fiscal. Se isso acontecer, estarão criadas as condições para um novo surto inflacionário.
Nesse caso, os riscos da reindexação aumentarão, na medida em que a inflação acumulada atingirá proporções impossíveis de serem absorvidas apenas por aumentos de produtividade.
Esse perigo já é visível hoje, com os aumentos nas tarifas públicas (principalmente no transporte coletivo), majoradas em mais de 30%.
A saída para o impasse está nas reformas fiscais -a tributária e do setor público- e na aceleração das privatizações.
Contudo, a reforma administrativa pública não parece estar recebendo prioridade do governo, apesar dos esforços do ministro Bresser Pereira. A quebra de monopólios públicos está sendo mais para inglês ver, enquanto a continuidade das privatizações está sendo mais lenta do que o desejável.
Quanto à reforma tributária, lembro apenas a manchete desta Folha no último dia 9: ``Governo vai propor reforma tributária lenta e gradual".
Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, doutor em Economia pela Universidade de Harvard (EUA).