O Brasil passa por um forte ajuste fiscal. A base desse processo deveria ser o corte de gastos, mas o corporativismo e o clientelismo associados aos gastos obrigatórios e ao modelo orçamentário incremental que vigora no país criam uma combinação que torna difícil reduzir despesas públicas. Uma saída necessária é flexibilizar a gestão das contas governamentais, facilitando o corte de dispêndios, por meio da adoção do orçamento base zero, sistema que permite transferir recursos de programas de baixo retorno social para aqueles que geram maior benefício para a sociedade.
A necessária determinação de cortar gastos vem sendo executada pelo governo de forma canhestra ao impor cortes indiscriminados, aproximadamente lineares na lista de rubricas orçamentárias. Não cumpre, assim, o compromisso de implementar o orçamento base zero, proposta que constava no plano de governo do PMDB, a Ponte para o Futuro, que visava introduzir mais racionalidade no processo orçamentário.
O orçamento público brasileiro é incremental. As propostas de alocação de recursos para exercícios futuros tomam como baselines os projetos e programas em execução no exercício em curso. Essa prática adota como premissa que os gastos e ações em execução são justificáveis pelo simples fato de já existirem, cabendo aos que elaboram, aprovam e executam os orçamentos públicos interferirem apenas em decisões marginais de acréscimos ou de reduções incrementais dos mesmos.
Planos, programas, ações e atividades uma vez incluídos no orçamento público dificilmente são avaliados periodicamente para justificar sua continuidade, ou eventual eliminação. Desta forma, os orçamentos tornam-se rígidos, e com o passar do tempo carregados de vinculações legais. Muitos tornam-se obrigatórios, e, portanto, inflexíveis para baixo.
Cumpre citar que do total dos gastos públicos federais, que atingiram 19,5% do PIB em 2015, 15,6% eram obrigatórios e, portanto, intocáveis. Apenas 3,9% do PIB eram gastos discricionários, sobre os quais recai o esforço de contenção fiscal. Executar um sistema orçamentário com tamanha rigidez torna-se, portanto, um exercício de futilidade.
O orçamento base zero inverte a lógica atual e têm a grande qualidade de partir periodicamente de uma página em branco, e assim requerer permanente acompanhamento e avaliação de resultados das atividades públicas. Cada projeto, novo ou preexistente, deve passar por rígida avaliação custo-benefício antes de ser mantido, redimensionado ou, o que é raro no Brasil, eliminado da peça orçamentária anual para abrir espaço aos programas com retorno social mais altos.
Com o orçamento base zero até o conceito de divisão de gastos públicos em obrigatórios e discricionários perdem sentido, submetendo-os unicamente à lógica da eficiência.
Enquanto o setor público brasileiro não adotar processos orçamentários de “base zero” (que periodicamente avaliam a eficiência dos gastos realizados) dificilmente os ajustes fiscais poderão ser executados com a eficácia necessária. Sem isto, ajustar as contas públicas pode vir acompanhado de graves efeitos secundários, como o risco de sucateamento irrecuperável de investimentos feitos no passado, como está ocorrendo hoje com a pesquisa e desenvolvimento nos setores da ciência e da tecnologia no país.
Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular da Fundação Getulio Vargas. É autor do projeto do Imposto Único. É presidente da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos).
Publicado no Diário de Votuporanga: 28/11/2017
Publicado no Jornal Gazeta de Bebedouro (Bebedouro - SP): 28/11/2017
Publicado no Jornal SPNorte: 01/12/2017