O jornal O Estado de S. Paulo de 28 de novembro último publicou o artigo “Imposto bifásico, uma péssima ideia”, de autoria do Diretor do Centro de Cidadania Fiscal, Bernard Appy. Nele, o autor avalia uma proposta de reforma tributária que prevê a substituição do PIS, Cofins, IPI, Cide e ISS por dois tributos federais que seriam cobrados em duas fases: um na saída de um produto da fábrica e outro no consumo. A indústria deixaria de ter direito à compensação de créditos.
O “imposto bifásico” estaria sendo preparado como uma alternativa ao Imposto sobre Valor Agregado (IVA), em nome da simplificação da estrutura tributária brasileira. Propõe extinguir menos tributos que a proposta do IVA apresentada pelo Deputado Luiz Carlos Hauly, mas eliminaria o complexo sistema de débito e crédito que caracteriza a tributação sobre o valor adicionado.
Em sua análise Bernardo Appy afirma que o IVA “pode ser um pouco mais complexo”, mas o “imposto bifásico vai estimular fraudes envolvendo a margem de comercialização das empresas, gerar distorções e iniquidades e ampliar o contencioso”. O autor conclui que o sistema de débito e crédito do IVA seria preferível porque “é fácil de ser operado e não gera distorção e todos os países relevantes do mundo o adotam”.
O “imposto bifásico” é tão artesanal quanto o IVA, o que dá fôlego para a prática da sonegação e outras formas de fraudes. Nesse ponto o posicionamento de Appy está correto. Em relação à distorção cabe dizer que o IVA a potencializa quando deixa de incidir em todos os segmentos da produção, o que é o caso do projeto que está em discussão. No tocante à iniquidade essa é uma marca do sistema tributário brasileiro e o IVA por ser um imposto sobre o consumo e incidente sobre a indústria e alguns segmentos de serviço não equaciona essa disfunção. Na questão do contencioso vale citar que a tendência é que o IVA acirre as disputas judiciais. Hoje o ICMS, um IVA estadual, é um dos tributos que mais gera litígios. Quanto aos “países relevantes” que adotam o IVA cabe lembrar que os Estados Unidos jamais se aventuraram nessa forma de tributação e os europeus amargaram perdas de 152 bilhões de euros com ele em 2015.
O tal “imposto bifásico” é mais uma demonstração de que muitos economistas e tributaristas têm enorme dificuldade de se libertarem de uma visão ultrapassada de tributação que se baseia em impostos convencionais gerados na era do papel, dos livros contábeis e das barreiras físicas de transporte. Óbvio que acabar com o complexo sistema de débito e crédito alivia o caótico sistema tributário brasileiro, mas manter uma estrutura declaratória mantém brechas para os mais diversos tipos de esquemas ilícitos.
No mundo contemporâneo tudo ocorre por meio de fluxos intensos de bits and bytes, mas em relação aos impostos a prática e o pensamento de muitos profissionais ainda tem a ver com o que está em livros escritos há mais de meio século. O “imposto bifásico” é tão fora de moda quanto o IVA, que tem o agravante da absurda complexidade e o elevado custo que gera para as empresas e para a fiscalização do poder público.
O “imposto bifásico” é uma péssima ideia como disse Appy, mas o IVA é ainda pior. São relíquias artesanais, parafraseando Roberto Campos, em desacordo com a economia digital. Na era da moeda eletrônica e em um país iníquo e onde a sonegação corre solta como o Brasil só há uma alternativa viável: o imposto único eletrônico sobre a movimentação financeira.
Doutor em Economia pela Universidade Harvard, professor titular de Economia na FGV. Foi deputado federal (1999-2003) e autor do projeto do Imposto único. É Presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP).