Nunca é demais insistir no tema reforma tributária quando o país está prestes a eleger o novo Presidente da República. O debate atual contempla dois projetos que farão toda diferença no tocante à criação dos pilares que vão dar sustentação para o crescimento econômico de longo prazo que o Brasil tanto busca.
O projeto mais promissor refere-se à unificação de vários tributos sobre os pagamentos e recebimentos no ambiente eletrônico do sistema bancário. É a forma mais eficaz de gerar receita pública em um mundo regido pela economia digital. Por meio dessa proposta seria possível aplicar uma alíquota reduzida sobre toda transação nas contas bancárias. A sonegação, que hoje ultrapassa R$ 400 bilhões por ano, se tornaria quase inexistente, os custos para as empresas e o governo seriam fortemente reduzidos, haveria estímulo ao consumo por causa da extinção de impostos embutidos nos preços e as empresas poderiam contratar e formalizar funcionários com a redução dos desembolsos com mão de obra ocasionada pelo fim dos tributos sobre a folha de salários.
O pior dos mundos seria levar adiante o burocrático Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Em relação a esse tributo vale retomar o posicionamento de um dos mais importantes homens públicos que o Brasil já teve: Roberto Campos.
No final dos anos 1960, Roberto Campos, um dos mais profícuos pensadores brasileiros, adotou a tributação sobre valor agregado no país, algo que para a época representou uma inovação impactante para a economia nacional, contribuindo para o chamado “milagre econômico”.
A partir dos anos 1980, Roberto Campos começou a criticar a administração pública brasileira. Um dos principais focos de suas análises passou a ser o sistema tributário que ele mesmo ajudara a criar, mas que segundo ele havia se transformado em um grande obstáculo para o desenvolvimento econômico do país.
No final dos anos 1990 discutia-se a reforma tributária na Câmara dos Deputados e sua reação à proposta de criar um grande IVA foi analisada em um artigo publicado pela Folha de S. Paulo em 12/9/1999, intitulado “Como sair do manicômio fiscal”, onde ele diz: “Há algum tempo, pensava eu ser urgentíssima a desconstrução do nosso manicômio fiscal para corrigir dois males principais: a sonegação fiscal, […], e o alto custo da contratação de mão-de-obra. Hoje há uma terceira razão, pois a globalização e a digitalização representam uma mudança de paradigma. Enfraquece-se enormemente a produtividade dos impostos clássicos sobre produção, circulação e serviços, relíquias artesanais na sociedade eletrônica”. Campos conclui o artigo dizendo que o IVA “é um esforço de aperfeiçoamento do obsoleto, pois substitui o ICMS, o IPI e o ISS por um novo ICMS, sob legislação federal e partilhado com os Estados. Se o novo ICMS incorporasse adicionais para substituir as contribuições sociais – PIS, Cofins e CSSL – a atual alíquota de 17% teria de ser aumentada, estimulando ainda mais a sonegação”.
A mesma proposta de reforma tributária de quase 20 anos atrás que Roberto Campos renegou vem sendo cogitada novamente. É um dever resgatar seu pensamento no debate atual. Ao contrário do que diziam, ele era um revolucionário, um criador de paradigmas, que sempre olhava à frente com a experiência acumulada do passado.
O IVA foi importante há mais de 50 anos. Hoje seus princípios não se ajustam ao mundo moderno. Insistir nessa proposta será desastroso. A reforma tributária requer uma forma de cobrança baseada no fluxo de caixa eletrônico no sistema bancário.
Doutor em Economia pela Universidade Harvard, professor titular de Economia na FGV. Foi deputado federal (1999-2003) e autor do projeto do Imposto único. É Presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP).