A proposta de recriação da CPMF, batizada de CSS, revela uma impressionante inabilidade política do governo e de sua base parlamentar.
Apesar de ser um bom tributo, como tenho reiteradamente afirmado na imprensa, a CPMF, ou "imposto do cheque", foi travestida de vilão. Houve mesquinhez política e outras razões menos nobres para explicar por quais motivos a CPMF - referida pelo renomado tributarista Vito Tanzi como uma das mais importantes inovações tecnológicas tributárias dos últimos anos - foi condenada a assumir o papel de bode expiatório do sistema de impostos brasileiro. Análises incompletas e equivocadas foram manipuladas para serem tidas como verdadeiras e, hoje, poucos têm a coragem de defender esse tributo, apesar de suas reconhecidas qualidades.
No entanto, cabe lembrar que a CPMF é repudiada se for um tributo a mais a elevar a carga tributária brasileira, mas seria aceita pela sociedade se fosse instituída como substituta de outros tributos. Um levantamento realizado pela empresa Cepac - Pesquisa & Comunicação revela que 64% das pessoas a aceitariam se ela substituísse, por exemplo, os 20% da contribuição ao INSS incidente sobre a folha de pagamento das empresas.
Nesse sentido, está em tramitação na Câmara dos Deputados a PEC 242/08, do Partido da República, que propõe a criação de um tributo de 0,5% sobre débitos e créditos bancários, que permitiria a eliminação da contribuição ao INSS sobre a folha de pagamento das empresas e também uma significativa elevação dos limites de isenção do Imposto de Renda da pessoa física incidente sobre os rendimentos do trabalho.
Com base na arrecadação da CPMF em 2007, a aplicação de 0,5% sobre as movimentações bancárias geraria uma arrecadação anual superior a R$ 48 bilhões. Isso permitiria que o governo aplicasse na área da saúde os recursos adicionais previstos na Emenda 29, cerca de R$ 10 bilhões por ano, e daria condições para que fosse ampliado o limite de isenção do IRPF para os assalariados que recebem em torno de R$ 13 mil por mês, que é a grande maioria dos trabalhadores que tem IR devido.
A PEC do PR, batizada de Imposto Mínimo, foi discutida com a cúpula do governo (Dilma Rousseff, Guido Mantega e José Múcio Monteiro). Todos demonstraram interesse na proposta e acenaram com a possibilidade de apoio do governo, desde que o projeto tivesse origem no Congresso. O plano foi posto em marcha e o texto encontra-se na Comissão de Reforma Tributária como emenda do partido.
Em vez de caminhar nessa direção, que com certeza encontraria apoio da sociedade, principalmente dos assalariados e da sofrida classe média brasileira, o governo e sua base parlamentar deixam-se lograr com a simples recriação da CPMF. É muito provável que o rolo compressor do governo resulte na aprovação da CSS, mas os questionamentos jurídicos poderão inviabilizar sua efetiva implementação. Será uma vitória de Pirro para o governo, para o PT e para a bancada da Saúde.
A ex-ministra Marta Suplicy, em entrevista à imprensa, afirmou que precisa reconquistar a classe média que a abandonou nas últimas eleições municipais e deu a vitória a José Serra. Ela admitiu que a rejeição desse estrato social à sua candidatura se deu por conta da criação de novos tributos, como as taxas do lixo e da iluminação pública. O presidente Lula não deve se esquecer de que foi o voto da classe média que o levou à Presidência e também que ele perdeu disputas todas as vezes em que as bandeiras desfraldadas a afrontaram.
Hoje, a criação da CSS representa uma agressão à classe média brasileira. O presidente Lula parece não enxergar o que Marta Suplicy já percebeu: não há como continuar com uma política pública que privilegie apenas os interesses da base e do topo da pirâmide econômica, jogando a classe média assalariada aos leões. Em São Paulo, o PT perdeu o apoio do PMDB e do PR, típicos partidos de classe média, para o prefeito Gilberto Kassab. No Rio de Janeiro, os peemedebistas romperam a aliança com os petistas e podem lançar candidato próprio nas eleições municipais.
A criação da CSS seria um grande erro estratégico do PT, já que significa um tapa na cara da classe média. O partido deveria investir na PEC 242/08 e resolver o imbróglio financeiro causado pela Emenda 29 ao mesmo tempo em que teria o apoio popular com a extinção do IRPF para mais de dois terços dos assalariados que pagam esse tributo.
*Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas.