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  • Marcos Cintra

A difícil desestatização da economia brasileira

O governo federal revela a intenção de criar uma "holding" para o setor público, que passaria a administrar todas as empresas e bancos estatais. Além de melhorar o fluxo de caixa, transferindo recursos das empresas superavitárias para as deficitárias, seria ainda utilizada como principal instrumento do programa de desestatização.


A proposta é atraente, na medida em que efetivamente possa contribuir para a busca de maior eficiência no setor público; contudo, é ilusória como instrumento imediato de desestatização.


Segundo o Relatório Anual de 1984, os dispêndios das estatais do setor produtivo representam 86% do orçamento global das empresas estatais, cabendo o restante às chamadas "entidades típicas de governo". Nota-se, ainda, que os seis maiores grupos (os cinco que o governo deseja manter, mais Itaipu) são responsáveis por 81% do orçamento total das empresas do setor produtivo, de tal sorte que os planos de privatização estariam restritos a um número elevado de empresas - cerca de 150 - mas de reduzidíssima expressão econômica.


Com relação aos esforços de saneamento das estatais, não restam dúvidas de que o problema envolve mais do que uma boa administração de casa. Não basta que as empresas eficientes e lucrativas transfiram recursos às deficitárias, embora esta prática possa facilitar os mecanismos de financiamento do déficit como um todo; mais importante seria a busca de soluções para os asfixiantes encargos financeiros destas empresas. Enquanto, entre 1980 e 1985, os investimentos foram comprimidos em 20%, o serviço da dívida elevou-se em mais de 20%. Por outro lado, constata-se que operacionalmente as empresas estatais vêm demonstrando sensível melhoria.


Os dados da tabela demonstram que o setor produtivo estatal obteve considerável elevação de seus lucros operacionais a partir de 1982, quando houve prejuízo equivalente a Cr$ 410 bilhões, chegando-se, em 1984, a um lucro de Cr$ 6 trilhões. Nota-se, contudo, que alguns setores ainda continuam altamente deficitários, como é o caso da metalurgia e siderurgia, geração de energia e "outras atividades". Muito provavelmente, tal situação deve ter continuado durante 1985, pois são combinados os efeitos da compressão dos preços e tarifas praticada durante o ano passado no desempenho econômico-financeiro das empresas públicas.

Nessas circunstâncias, um efetivo programa de desestatização não se apresenta inteiramente viável. Em primeiro lugar, pelo fato do governo pretender manter estatizadas a quase totalidade dos setores de expressão econômica. Vale lembrar que alguns, considerados não passíveis de privatização, como telecomunicações, energia elétrica, extração de petróleo e siderurgia, são comumente explorados pela iniciativa privada em outros países (o que, evidentemente, por si só não justifica que também aqui sejam privatizados); demonstra, contudo, que a estatização não é uma exigência técnica, como no caso dos correios, ferrovias e alguns outros.


A outra dificuldade acha-se nas condições deficitárias em que se encontram algumas empresas privatizáveis, como se depreende dos dados da tabela referentes aos lucros operacionais das "outras atividades" e metalurgia.


O esforço de desestatização deve prosseguir, e neste sentido são bem-vindas todas as iniciativas que possam agilizar este processo, como é o caso da criação da "holding". Há que reconhecer, contudo, que o problema extravasa o nível de atuação da "holding" e envolve questões macroeconômicas, tais como os efeitos da política de congelamento de preços e a política monetária, na calibragem das taxas de juros.

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