Corrigir as distorções da estrutura social e econômica brasileira e reduzir o fosso que separa as grandes massas das camadas superiores da população são estes os objetivos propostos pelo Plano Brasil 2000 recentemente encaminhado ao presidente Soma, por uma equipe de cientistas sociais encabeçada por Hélio Jaguaribe.
O diagnóstico acerca da funesta situação social no Brasil não deixa dúvidas sobre a necessidade de urgentes ações corretivas. As metas, bem como algumas estimativas de custos, de acordo com as autoridades do plano, servirão de base para o embasamento das discussões de um amplo pacto capaz de equiparar a estrutura social do país às suas demandas econômicas. Tais transformações, segundo os termos do Plano Brasil 2000, são cruciais para o Brasil tornar-se um caso de capitalismo moderno, econômico e socialmente justo.
As metas a serem atingidas até o ano 2000 são ambiciosas. Em termos de alguns dos mais significativos indicadores sociais, espera-se obter uma drástica aceleração nas taxas anuais de redução das deficiências observadas. Os resultados percentuais numericamente obtidos na ampliação da esperança de vida do brasileiro deverão ser multiplicados por seis a cada ano, o esforço de redução da mortalidade infantil precisará resultar em quedas oito vezes maiores; obras de saneamento deverão crescer a taxas três vezes mais elevadas, e as taxas de alfabetização precisam ser melhoradas em cerca de 50% a mais, em previsões quinze anos. Assim, surge naturalmente a pergunta de como financiar este esforço de reconstrução social. Neste ponto, contudo, o Plano Brasil 2000 abre espaços para dúvidas e possíveis contestações, as quais poderão comprometer o êxito do novo Pacto Social.
O estudo indica que o Brasil aloca cerca de 10% do PIB para gastos sociais. Diz ainda que a elevação para 12% bastaria para levar adiante as necessárias reformas sociais. Contudo, a precariedade da análise e da medição desses números só faz por trazer descrédito ao plano. Pouco, ou quase nada, é feito para dar maior confiabilidade aos dados apresentados.
Quanto aos mecanismos de financiamento, o trabalho apresenta-se ainda muito desguarnecido, chegando a ser espantosa a ingenuidade de algumas das propostas apresentadas. As fontes de recursos são as seguintes:
Incremento da produtividade dos serviços sociais: 0,5% do PIB
Adicional de 10% no Imposto de Renda dos mais ricos: 0,2% do PIB
Reforma Tributária (taxação de ganhos de capital e de sinais de riqueza): 1,0% do PIB
Ganhos na negociação da dívida externa: 0,3% do PIB
É evidente a superficialidade da proposta. Como conseguir 0,5% do PIB com o aumento da produtividade e da eficiência do governo na administração de seus gastos sociais? Se o adicional de 10% no Imposto de Renda, retirado do quartil superior dos declarantes, representa apenas 0,2% do PIB, conclui-se que as receitas adicionais de 1% do PIB na taxação de ganhos de capital e de sinais de riqueza — que deverá incidir sobre o mesmo quartil superior de renda — serão equivalentes a outro adicional no Imposto de Renda, desta vez de 50%. Quanto aos ganhos na negociação da dívida externa, a sugestão não pode ser vista como realista. As propostas de financiamento do plano não são tão sérias. Só fazem por dificultar a identificação do "mínimo aceitável", ou seja, o máximo que os mais ricos estão dispostos a abrir mão para atender ao que os menos favorecidos consideram o mínimo aceitável. Neste sentido, o presidente Sarney faria bem em retirar do plano as propostas de levantamento de recursos e deixar que especialistas encontrem soluções mais viáveis.
Em outras palavras, o Plano Brasil 2000 apresenta um excelente diagnóstico e justifica com invulgar competência a necessidade de corrigir as distorções encontradas. Não deve, contudo, sugerir o "mínimo aceitável"; a própria sabedoria deve ser capaz de encontrá-lo.